|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Aparência e realidade
Parece que o Brasil ingressou em
novo ciclo de crescimento, facultado pela rejeição de "aventuras". Em
realidade, entramos em fase de alívio
econômico estreito, frágil e superficial. Estreito, porque dependente das
exportações do agronegócio e de demanda reprimida por consumo e por
crédito. Frágil, porque sujeito a ser revertido pela interação entre choques
externos e perda de confiança na capacidade do governo de honrar suas
dívidas. Superficial, porque ocorrido
numa economia que ainda vê a informalidade aumentar e a participação
dos salários na renda nacional diminuir.
Parece que, aos trancos e barrancos,
o país continua a desprivatizar o Estado. Em realidade, o descumprimento
da promessa de reformar o financiamento eleitoral permite o achacamento de grandes empresários. Hegemonismo partidário, dirigismo industrial
e fisiologismo predatório convergiram para criar, nas relações entre o
poder e o dinheiro, clima de quarto
mundo.
Parece que a imprensa exerce mais
do que nunca seu papel de investigar,
às vezes distorcido pelos excessos do
denuncismo. Em realidade, as revelações são seletivas. Dependentes dos
favores do governo e sujeitas à mesma
mistura de interesses e preconceitos
que aflige a plutocracia brasileira em
geral, muitas empresas de mídia se
deixam empurrar para cá e para lá
com relativa facilidade.
Parece que o PT no governo substituiu o esquerdismo inconseqüente pelo compromisso maduro com o social.
Em realidade, a política das "redes de
proteção social", já incapaz de enfrentar a exclusão e a desigualdade no Brasil, virou ramo de propaganda -projeto apenas discursivo. E objeto de
chacota entre os quadros dirigentes.
Parece que o Brasil avança, apesar de
tudo, a partir daquilo que ele tem de
melhor: as melhores empresas, escolas e comunidades. Em realidade, novo dualismo emerge. Por imperativo
de sobrevivência, os setores dinâmicos cortam, em vez de multiplicar,
vínculos com o resto da sociedade.
Voltam-se para fora do país. O outro
Brasil, cheio de energia frustrada, fica
na mão. Alguns tentam escapar de
qualquer jeito, ainda que correndo o
risco de morrer nos desertos do Arizona.
Parece que a retomada de algum
crescimento econômico diminui as
chances, que já seriam pequenas, de
virada na próxima sucessão presidencial. Em realidade, há mais oportunidade para grande surpresa e reorientação decisiva sem pânico do que com
pânico.
Parece que a eleição presidencial de
2006 já está decidida. Lula será reeleito, e terá como seu opositor principal,
na falta prudente do presidente anterior, figura previsível, como o atual
governador de São Paulo. Em realidade, o povo brasileiro continua a querer
mudança de verdade e a buscar quem
a queira e quem a possa fazer. Organizados quase todos os partidos em
duas coalizões que representam a
mesma coisa e envenenada a mídia
por um misto de dependência e de cinismo, não será fácil ao eleitorado encontrar quem procura. Iniciativas políticas arrojadas podem, entretanto,
mudar radicalmente esse quadro. A
pasmaceira de agora pode parecer
eterna -até o momento em que ela
comece a parecer, a milhões de desesperançados -de todas as classes sociais-, desnecessária.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Imprensa e Judiciário Próximo Texto: Frases
Índice
|