São Paulo, terça-feira, 03 de agosto de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

E agora, São Paulo?

LUIZ CARLOS COSTA

Não há quem não se tenha surpreendido com a forma como foi aprovado pela Câmara Municipal o projeto de lei complementar ao Plano Diretor Estratégico (PDE), instituído em 2002, abrangendo os planos regionais para as 31 subprefeituras e a nova Lei de Zoneamento da cidade.
Apesar da importância extraordinária desse projeto para o futuro de São Paulo, enfatizado na Constituição e no Estatuto da Cidade, sua tramitação e votação foram surpreendentemente atropeladas, a ponto de os votantes não terem nem sequer oportunidade de ler a versão final, que logo passará ter vigência.
É impossível deixar de refletir sobre o significado desse encaminhamento e do próprio Plano Diretor resultante. No entanto a reflexão isenta é difícil, pois, já em pleno período eleitoral, não há senão versões fortemente enviesadas por interesses políticos imediatos.
Assim, uma versão será: o projeto conseguiu formular todas as diretrizes e instrumentos previstos como conteúdo do Plano Diretor. Pode não ser o projeto ideal, mas é o possível. Importante é que tenha sido finalmente aprovado, depois de 20 anos de espera, permitindo acionar outros programas que dele dependem. Os planos regionais foram descentralizados, permitindo uma participação jamais alcançada das comunidades, atestada pelo número extraordinário de reuniões e pessoas mobilizadas. O novo zoneamento, finalmente aprovado, permitiu a atualização e a flexibilidade longamente reclamadas pelo setor imobiliário; ao mesmo tempo em que mantém as zonas urbanas de melhor qualidade e consolida os assentamentos da população de baixa renda.


Uma avaliação objetiva dos méritos e deméritos do Plano Diretor jamais poderá ser feita e debatida neste momento


Haverá ainda outra versão: o projeto aprovado ainda não atende, como prometido, às críticas feitas ao PDE no sentido de consolidar objetivos e estratégias de grande envergadura, demonstrar tecnicamente a eficácia das propostas e sua viabilidade em face dos recursos. Apesar do longo atraso, não permitiu tempo e condições para o debate democrático adequado à natureza do plano, só concedendo sobre as propostas finais poucos minutos para que a sociedade apresentasse críticas e alternativas.
Nos planos regionais, improvisados na metodologia e desconexos nos resultados, as comunidades não puderam examinar as propostas finais do trabalho que iniciaram, pondo em questão a efetividade democrática da participação havida. O zoneamento proposto, só apresentado na última hora, sem informação e tempo para o debate, torna o sistema de normas urbanísticas muito mais complexo, inviabiliza sua análise e fiscalização pelos cidadãos; favorece o arbítrio do Executivo e a possibilidade de corrupção; debilita a base legal das ações comunitárias em defesa da qualidade de vida. A apresentação de três projetos distintos e complexos em um projeto único criou uma peça legislativa impossível de ser responsavelmente apreciada no ritmo frenético acordado entre o Executivo e o Legislativo.
É obvio que ambas as versões têm parte da verdade, mas a única conclusão segura é que uma avaliação objetiva dos méritos e deméritos do plano jamais poderá ser feita e debatida neste momento, em que a campanha política tudo radicaliza, forçando a avaliações sem nuances e pondo em suspeição quem externar dúvidas e reflexões eventualmente inoportunas para os candidatos que apóie.
Como velho estudioso do tema, sinto-me solidário com os que querem refletir para além dessa conjuntura passageira, procurando saídas que interessem ao conjunto da cidade e dos cidadãos. Nesse sentido, quero compartilhar duas convicções.
Primeiro, que é fundamental e digno para todos os que trabalharam na produção e na crítica do projeto admitir que o processo de elaboração do Plano Diretor ainda está incompleto e comporta reparos. Segundo, que a sociedade tem o direito de exigir da esfera política um processo de elaboração do plano com as características de objetividade, confiabilidade técnica, democracia e eficácia operacional que muitos afirmam não terem sido obtidas ainda -mas que poderão ser alcançadas em breve, se forem criadas oportunidades para tanto. Alguns dos aperfeiçoamentos se referem a dispositivos do zoneamento aprovado que não poderiam entrar em vigor sem correções ou sem a indispensável análise pública de seus efeitos. Isso pode ser feito pela própria prefeita, no prazo que tem para sancionar o projeto com os necessários vetos, à semelhança do que fez quando o PDE foi aprovado.
Outros aperfeiçoamentos visarão superar debilidades mais gerais do plano. Por exemplo, a fim de dar maior clareza e consistência às diretrizes e políticas propostas e de produzir as demonstrações exigíveis de que, se forem implementadas, gerarão mudanças estruturais no processo urbano. Só assim a coletividade terá certeza de que o plano é necessário à superação dos problemas críticos da cidade e à condução democrática da metrópole a um novo patamar de desenvolvimento, à altura de suas imensas potencialidades.
A oportunidade de isso se fazer concretamente já está definida no próprio PDE, quando estabelece que em 2006, portanto num intervalo excepcionalmente curto, um novo Plano Diretor deverá ser aprovado.
Se é verdade que o desafio de sua correta elaboração deverá envolver toda a sociedade, ele dependerá especialmente da liderança do prefeito a ser eleito -ou reeleito. Nada mais oportuno, portanto, do que todos os candidatos explicitarem qual o compromisso que assumem com um aperfeiçoamento essencial do plano atual e com a eliminação das lacunas e riscos que, apesar dos esforços de tantos, ainda não foram superados.

Luiz Carlos Costa, 68, arquiteto e urbanista, consultor, é professor de planejamento urbano da FAU-USP. Foi coordenador da equipe técnica do Plano Diretor de São Paulo (1981/ 83).


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