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MARCOS NOBRE
O voto do voto
A mais recente pesquisa do
Datafolha sobre a obrigatoriedade do voto indica uma divisão ao meio das opiniões: os
mesmos 48% contra e a favor.
Mas, como sempre, falta aos números algo essencial: saber
por que os entrevistados defendem uma posição ou outra.
O problema é ainda mais complexo porque uma mesma
justificativa pode servir à defesa de posições opostas. Alguém pode, por exemplo, usar
a famosa "o povo não sabe votar" para justificar a obrigatoriedade do voto; se não sabe,
faz parte de sua educação política ser obrigado a aprender.
Ou, ao contrário, a mesma frase pode ser invocada como
justificativa para a defesa do voto facultativo; não sendo obrigatório o voto, só vai votar quem sabe.
Nos dois casos, o diagnóstico é o mesmo: o Brasil é um
país de miseráveis e ignorantes. E, obviamente, quem repete que "o povo não sabe votar" não se considera miserável nem ignorante e tem certeza de que sabe votar corretamente. É a herança maldita de
mais de vinte anos de autoritarismo tecnocrático-militar que diz que política é para quem "entende".
Longe de ser um problema
de menor importância, a obrigatoriedade do voto é central
para entender a cultura política brasileira hoje. Para justificar ou atacar esse princípio, as
pessoas dizem no fundo o que
acham que o país é e para onde deve ir.
Há quem pense que votar
faz parte de um conjunto de
virtudes cívicas que toda pessoa deve cultivar para poder
ser chamada de cidadã. Há
quem defenda, ao contrário,
que a cidadania não pode ser
definida fundamentalmente
pela participação política.
A grande vantagem do tema
da obrigatoriedade do voto é
não se perder na abstração de
projetos que querem resolver
em pranchetas as mazelas das
instituições políticas brasileiras. É um tema que permite
abrir discussões mais amplas
sem necessariamente cair na
armadilha da pretensa completude e abrangência de uma
"reforma política". Atualmente, propor uma "reforma" é receita segura para enterrar uma
discussão.
Não interessa ao sistema
político debater sua própria
reforma a sério. Basta ver
quanta mobilização foi necessária para aprovar mesmo
uma versão mitigada do projeto Ficha Limpa. Para quem
pretende se manter no jogo,
mudar as regras traz mais incerteza do que mantê-las.
Um debate real sobre a obrigatoriedade do voto traria à tona o mais profundo da compreensão que o país tem de si mesmo. Algo que é urgente.
Mas, ao que tudo indica, algo
que também passará longe das eleições deste ano.
Um debate como esse só se
consegue com um plebiscito
ou um referendo. Só assim o
país poderia responder à pergunta: qual a melhor maneira
de desmantelar o bordão "o
povo não sabe votar", com voto obrigatório ou facultativo?
nobre.a2@uol.com.br
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