São Paulo, terça-feira, 03 de agosto de 2010

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MARCOS NOBRE

O voto do voto

A mais recente pesquisa do Datafolha sobre a obrigatoriedade do voto indica uma divisão ao meio das opiniões: os mesmos 48% contra e a favor.
Mas, como sempre, falta aos números algo essencial: saber por que os entrevistados defendem uma posição ou outra.
O problema é ainda mais complexo porque uma mesma justificativa pode servir à defesa de posições opostas. Alguém pode, por exemplo, usar a famosa "o povo não sabe votar" para justificar a obrigatoriedade do voto; se não sabe, faz parte de sua educação política ser obrigado a aprender.
Ou, ao contrário, a mesma frase pode ser invocada como justificativa para a defesa do voto facultativo; não sendo obrigatório o voto, só vai votar quem sabe.
Nos dois casos, o diagnóstico é o mesmo: o Brasil é um país de miseráveis e ignorantes. E, obviamente, quem repete que "o povo não sabe votar" não se considera miserável nem ignorante e tem certeza de que sabe votar corretamente. É a herança maldita de mais de vinte anos de autoritarismo tecnocrático-militar que diz que política é para quem "entende".
Longe de ser um problema de menor importância, a obrigatoriedade do voto é central para entender a cultura política brasileira hoje. Para justificar ou atacar esse princípio, as pessoas dizem no fundo o que acham que o país é e para onde deve ir.
Há quem pense que votar faz parte de um conjunto de virtudes cívicas que toda pessoa deve cultivar para poder ser chamada de cidadã. Há quem defenda, ao contrário, que a cidadania não pode ser definida fundamentalmente pela participação política.
A grande vantagem do tema da obrigatoriedade do voto é não se perder na abstração de projetos que querem resolver em pranchetas as mazelas das instituições políticas brasileiras. É um tema que permite abrir discussões mais amplas sem necessariamente cair na armadilha da pretensa completude e abrangência de uma "reforma política". Atualmente, propor uma "reforma" é receita segura para enterrar uma discussão.
Não interessa ao sistema político debater sua própria reforma a sério. Basta ver quanta mobilização foi necessária para aprovar mesmo uma versão mitigada do projeto Ficha Limpa. Para quem pretende se manter no jogo, mudar as regras traz mais incerteza do que mantê-las. Um debate real sobre a obrigatoriedade do voto traria à tona o mais profundo da compreensão que o país tem de si mesmo. Algo que é urgente.
Mas, ao que tudo indica, algo que também passará longe das eleições deste ano.
Um debate como esse só se consegue com um plebiscito ou um referendo. Só assim o país poderia responder à pergunta: qual a melhor maneira de desmantelar o bordão "o povo não sabe votar", com voto obrigatório ou facultativo?

nobre.a2@uol.com.br


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