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DENTADURA REAL
Alguns dos traços da personalidade
-política, inclusive- do presidente
da República se combinaram no seu
mais recente discurso para compor
uma forma de comunicação com o
público que não é nova, mas deteriorada em relação a manifestações anteriores, algumas quase ensaísticas.
Na fala em que alinhavou quase assumidamente uma espécie de plataforma de campanha, FHC mais uma
vez deu mostra de seu gosto pela anedota e de inclinação por um certo bonapartismo -a tendência de se imaginar o guia da nação, acima de seus
conflitos. Mas agora a graça ganha
um tom escarninho -como no caso
de ilustrar o sucesso do Real com a
alta duvidosa e de importância discutível do consumo de dentaduras; os
trechos de ruminação incongruente
dão a impressão de que o presidente
não se dirige aos interlocutores,
mesmo que o aparente solilóquio
possa ser atenuado pelo grau de improviso de sua fala.
Seria exagero falar em lógica imperial, mas o discurso tem algo desse
sabor quando se analisa sua parte
mais objetivamente compreensível.
Como era razoável esperar, o presidente lista o que considera suas realizações e o plano de sua "utopia realista"; a louvação da moeda dá espaço à solidariedade social, à democratização da Previdência, a melhoras
no campo e à ênfase no incentivo ao
desenvolvimento via BNDES.
Difícil de aceitar é a desqualificação
apriorística do dissenso. Por que discordar, sugere FHC, se o presidente
prevê ou provê todas essas questões
que a oposição teima em levantar como bandeiras? Afinal, a bandeira social é sua, e ninguém deve tomá-la,
diz explicitamente FHC. Não se trata
de discutir as razões da oposição que
lhe fazem "batinas" ou "bonés". O
lamentável é demonstrar tanto desconforto com sua existência. Como
já deu a entender quando pregou
uma aliança de "a a z" em torno de
seu nome, o presidente parece insinuar que são irracionais e ilegítimas
as atitudes que não signifiquem adesão total à sua figura.
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