São Paulo, quarta, 3 de setembro de 1997.



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Universidade, sonho e realidade

Coube à iniciativa privada suprir a demanda de mão-de-obra exigida pela industrialização


GABRIEL MÁRIO RODRIGUES

Os 7.300 alunos e 306 professores da Faculdade Anhembi Morumbi vêm sendo execrados publicamente, há duas semanas, como os vilões do ensino superior brasileiro.
Acusou-se a Anhembi Morumbi de pretender ascender na hierarquia do ensino, transformando-se em universidade sem ter os atributos mínimos para sê-lo. Criou-se uma falsa polêmica para, mais uma vez, evitar um debate imprescindível: qual a universidade que o Brasil quer, e de que necessita, hoje? Chegou a hora de traçar políticas a partir da realidade do ensino, e não do modelo que idealizamos no passado e nunca executamos.
O conceito de universidade é o de um centro de excelência, no qual mestres e doutores exercem seu trabalho em pesquisas e em produção científica do mais alto nível. O problema está em definir o que e para que pesquisar. Assim como não pode prescindir da reflexão teórica que fundamenta a cultura, o Brasil exige prioridade máxima para a pesquisa voltada para o seu desenvolvimento (macro e microeconômico), qualidade de vida e paz para os seus cidadãos.
O desafio das universidades hoje é dar subsídios e ferramentas para enfrentarmos nossos desafios sociais -saúde, educação, segurança, moradia e trabalho. Com raras exceções, a universidade pública não vem concentrando esforços nesse sentido, um papel que já soube exercer no passado.
O ensino superior privado sempre mereceu o menosprezo da elite intelectual brasileira, que insiste em ignorar uma realidade que não aconteceu de acordo com seus sonhos. Coube, a partir da década de 60, à iniciativa privada suprir a demanda de mão-de-obra especializada exigida pela industrialização brasileira, fazendo com que o ensino deixasse de ser privilégio de uma elite. As universidades públicas não tinham condições de atender o contingente numeroso de excedentes que, aptos, não tinham lugar para estudar.
O início foi improvisado, como é normal em todo pioneirismo. Mas, aos poucos, as faculdades foram se aprimorando e crescendo, e já passaram por seus bancos 4 milhões de profissionais. Passados 20 anos de seu surgimento, entendeu-se que as faculdades já eram adultas o suficiente para ter autonomia universitária, conforme estipulava a LDB. Respaldada pelas normas vigentes, a Anhembi Morumbi apresentou seu pleito em 1990, junto com dezenas de outras faculdades.
Fomos vítimas da burocracia do Estado e das várias mudanças na legislação do ensino superior. Alteramos nosso projeto sucessivamente para adequá-lo às regulamentações, apesar de, no Estado de Direito, vigorar o princípio da irretroatividade das leis. O artigo 6 da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro afirma: a nova lei não atinge as situações já existentes. Desconhecer esse princípio é abuso de poder.
Em 1992, o parecer nš 469 e a portaria ministerial de 29/9/92 aprovaram a Anhembi Morumbi como universidade autorizada, devendo, no entanto, ser acompanhada pelo CFE (Conselho Federal de Educação). Em 1994, o conselheiro professor Paulo Alcântara Gomes (reitor da UFRJ) elaborou parecer favorável ao reconhecimento, que não chegou a ser lido em plenário por causa da extinção do CFE.
O projeto ficou paralisado no interregno dos dois conselhos. Neste ano, a comissão de especialistas do MEC/Sesu aconselhou o seu credenciamento, juntamente com mais sete instituições; posteriormente, no último dia 14 de agosto, a Anhembi Morumbi foi aprovada como universidade em um conselho dividido, por seis votos a cinco.
É preciso ter presente que a universidade é uma instituição complexa, que requer um período grande para sua efetiva consolidação e seu amadurecimento. É um projeto/processo que se concretiza a médio e longo prazo. A Anhembi Morumbi tem 43,14% de professores doutores e mestres e 33,66% de seus docentes em tempo integral. Apesar de ainda não haver uma clara conceituação do que o CNE (Conselho Nacional de Educação) entende por "pesquisa institucionalizada", comprovamos o investimento, nos últimos anos, de 2% do orçamento nessa atividade.
A Anhembi Morumbi está implantando o seu projeto de universidade. Uma instituição que está se tornando universidade precisa ser analisada em termos prospectivos, e não apenas no que ela é hoje. Não há dúvida de que deva passar por uma avaliação de viabilidade técnica, pedagógica, acadêmica, patrimonial e financeira com base no trabalho desenvolvido. Quem não ministra ensino de qualidade hoje provavelmente não o fará amanhã. Mas o fundamental é que essa avaliação leve em conta as particularidades de cada instituição. Algumas dedicam-se mais ao ensino da graduação, outras às pesquisas, outras à extensão e outras ainda à pós-graduação.
Avaliar a qualidade do ensino sob um único prisma, como se todas fossem iguais, é castrar a individualidade e a identidade das instituições, de seus alunos e da região onde se instalaram. É assim nos países democráticos, seja no Primeiro ou no Terceiro Mundo. Por que no Brasil a diversidade incomoda tanto?
Gabriel Mário Rodrigues, 65, é diretor geral da Faculdade Anhembi Morumbi.





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