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VINICIUS TORRES FREIRE
Vida de negro
SÃO PAULO - No "ano de Zumbi", em 95, ao fim de uma entrevista com
dois militantes do Movimento Negro
Unificado, perguntei se me consideravam negro. Sou da cor da maioria
dos brasileiros, um tom qualquer do
dégradé moreno que o IBGE classifica como "pardo", essa palavra pavorosa, que me lembra papel de embrulho ou a cor do burro quando foge.
De um dos militantes, o mais simpático, ouvi que eu era negro. Do outro, que era branco. Quem seriam os
negros com direito a cotas, a lugares
reservados na universidade, nos empregos, na televisão, caso se adotasse
tal tipo de programa de ação afirmativa? Aqueles com certificado de negritude do IBGE, por terem se declarado negros no último Censo?
A questão não é gaiata. As cotas, o
mais óbvio e midiático dos programas de ação afirmativa, suscita enormes se não absurdos problemas práticos. Mas domina a cena quando
outra vez o racismo se torna moda
fugaz de debate, como agora, por
conta da reunião da ONU.
Parece mais ou menos provado que
negros ganham menos e pulam menos degraus sociais que pessoas de co
res outras e competências iguais. Mas
não tanto menos que os ditos "pardos", de modo que, pelas estatísticas,
quase metade do Brasil precisaria de
um programa de ação afirmativa, o
que não faz sentido.
Decerto os brasileiros mais negros
padecem mais nas cadeias, têm sua
auto-estima massacrada pelo nosso
racismo cordial (o que prejudica o
desempenho escolar, por exemplo),
são humilhados nos cercados da classe média, estão postos em miséria e
ignorância desde que se decretou o
fim da escravidão etc.
Talvez o incremento do número de
negros (ou de pessoas com "cor de pobre", "morenos"?) médicos, estrelas
de novela, ministros, venha a alterar
valores. Mas talvez não. E qual seria
o efeito prático? É difícil imaginar
ações afirmativas que sejam muito
mais que gotas no mar da miséria negra e "parda". Racismo é problema.
Mas como lidar com ele sem a reforma social que o país jamais teve?
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