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JOSÉ SARNEY
O século e o frango assado
O presidente Lula sancionou o
Estatuto do Idoso. Quando da
sua votação, alertei para o fato de que,
no Senado, muita gente estava votando em causa própria, como eu mesmo. A Constituição de 1988 dava ao
idoso o direito de passar na frente dos
outros em fila. Velho não tem mais
tempo de esperar. É uma das raras
vantagens da idade. Eu tenho três privilégios: um, idade; outro, de condecoração, e outro, pelo nascimento. Como idoso, não entro em fila e não pago
ônibus; como detentor da Legião de
Honra da França, criada por Napoleão, não pago metrô em Paris e, como
cidadão maranhense, recebi de dom
João 4º -porque expulsamos os holandeses do Maranhão- o direito de
ter as mesmas vantagens dos cidadãos
do Porto que lutaram pela Restauração: "poder entrar em Lisboa, capital
do Reino, montado em besta e de espada embainhada". São honras e mercês que Deus me deu e pelas quais rezo
todo dia, sem falar na maior, a graça
da vida e do destino que me concedeu.
Mas eu quero falar mesmo é do balanço que foi publicado nestes dias sobre o desempenho do Brasil no século
20.
O Estatuto do Idoso não permite
maus-tratos a pessoas velhas, pune
quem assim proceder; diz-se que é
feio maltratar mulher e, pior ainda,
bater em idoso. Este Brasil, ancião de
500 anos, tem apanhado muito.
Criou-se o esporte nacional de bater
nele. Diz-se o diabo do Brasil. Tudo é
ruim e não dá certo. Houve um tempo
em que se fazia proselitismo para deixá-lo. Era tanta a pancadaria que cunharam o slogan do "Ame-o ou deixe-o". A verdade é que o Brasil aguentou
tudo: a ingratidão de filhos e a maldição de concorrentes.
Agora, vem o balanço do desempenho do Brasil no século passado e, espantando as carpideiras, vem a surpresa de que fomos o país que, com a
Coréia do Sul, mais cresceu no mundo. Hoje, somos a 15ª economia mundial. Recordo com saudade que, durante o meu governo, éramos a oitava.
Ficamos mais ricos, com maior nível
de educação, com infra-estrutura moderna, grande civilização industrial.
Em 1900, 65% da população era de
analfabetos; hoje são 13%. Poderíamos estar com zero, mas vamos chegar lá. A expectativa de vida em 1900
era de 33 anos. Quando fui governador no Maranhão, era de 29 anos (!).
Hoje é de 68,6 anos. Eu já passei dessa
marca, sou um sobrevivente dos anos
de 1930.
Mas, no nosso velho estilo de malhar
o país, o noticiário ressalta o negativo
e esquece o grande salto. As manchetes resumem esses cem anos como "o
século da desigualdade".
Certa vez, em Lisboa, perguntei a
um chofer como ia o país. Ele respondeu-me: "Portugal vai bem, mas esses
gajos só ficarão satisfeitos quando
chover frango assado. E nunca pode
chover frango assado, não é mesmo,
seu doutor?".
Consolidamos uma grande cultura,
popular e erudita, como marca de
identidade. Construíram-se museus
por toda parte, universidades, escolas.
Há 30 anos, não tinha a classe pobre
onde tomar uma injeção. Estava entregue à caridade das santas casas. Hoje, a saúde é universal, temos salário
mínimo, garantias individuais, direitos sociais e somos a segunda democracia do mundo ocidental. Temos
desigualdades e desemprego, temos.
A educação não vai como desejávamos e a dívida vai pior ainda. De mais
longe já viemos.
O relatório do IBGE tem um defeito
-e grave. Não diz que, em 1900, não
tínhamos o Flamengo, o Corinthians,
o Pelé e o Joãosinho Trinta para fazer
esse Carnaval dos diabos e das moças
bonitas. Viva o Brasil -e ponto.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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