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São Paulo, sexta-feira, 03 de outubro de 2003

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CLAUDIA ANTUNES

O ufanismo e seu contrário

RIO DE JANEIRO - É um exercício inútil, mas tentador, de delírio histórico: se o projeto de criação da Petrobras estivesse sendo discutido hoje, 50 anos depois, ele seria arquivado pelos financistas que seguram as rédeas do país, por antieconômico e megalomaníaco.
A própria idéia de fundação de uma estatal monopolista é impensável nos tempos atuais e a hipótese de investir dinheiro público num negócio de longo prazo e de risco nem sequer entraria em cogitação.
O fato de que a Petrobras, com seus lucros enormes, venha contribuindo para uma das poucas metas nacionais levadas a sério -a de economizar para pagar juros da dívida- apenas acentua a ironia de a empresa ter sido construída sobre a "vontade política", que se pretende enterrar no caixão do desenvolvimentismo.
A marca dos primeiros anos da estatal foi o voluntarismo. Em 1960, quando o país importava quase todo o combustível que consumia, um relatório assinado pelo geólogo americano Walter Link sentenciou que era um desperdício procurar petróleo em terra e viu com ceticismo, por causa dos meios técnicos da época, a possibilidade de encontrá-lo no mar.
Link foi alvo dos nacionalistas, acusado -injustamente, dizem- de ser "agente do imperialismo". A campanha levou à reformulação do seu relatório e, sem nenhuma base técnica, decidiu-se que a busca continuaria. Oito anos mais tarde, ela chegaria a outro momento decisivo, quando se optou por manter a exploração do primeiro poço encontrado na plataforma continental apesar do custo de separar o óleo da areia. Só agora, meio século depois, a auto-suficiência está perto de ser alcançada.
Tudo isso é ufanista, como eram as décadas em que se pensava que o destino estava à mão no "país do futuro". Hoje, vemos o passado pelo prisma dos problemas que herdamos -a má distribuição de renda, o clientelismo. Mas, conformados à mediocridade, mergulhamos no "imobilismo crônico", como diagnosticou há poucos dias o veterano Celso Furtado.


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