São Paulo, domingo, 03 de outubro de 2004

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APRENDIZADO DEMOCRÁTICO

Quase 120 milhões de brasileiros deverão ir hoje às urnas para escolher prefeitos e vereadores dos 5.562 municípios do país. A repetição da liturgia democrática -estas já são as quintas eleições locais desde a Constituição de 1988- pode abrir espaço para o fastio e o desinteresse. Com efeito, não são poucos os que se queixam de que os políticos são todos iguais e de que mudanças benéficas para a sociedade, quando ocorrem, vêm em ritmo muito mais lento do que o desejável.
É verdade que a persistência de alguns dos vícios do mundo político chega a ser exasperante e que as diferenças ideológicas entre os partidos vêm diminuindo. Há mesmo uma nítida sensação de convergência para o centro, o que tende a tirar um pouco do entusiasmo do eleitorado com o pleito. Também é exato afirmar que o poder público não tem primado por ser um dinâmico agente de transformação social. Seria um erro, contudo, atribuir essas mazelas ao processo democrático. Ao contrário, a melhor forma de combater o que nos repugna na esfera política é aprofundando a democracia.
A maturidade democrática é uma sabedoria que se adquire através do aprendizado, pelos acertos, mas, principalmente, pelos erros. Lamenta-se que as campanhas tenham degenerado em puro marketing, isto é, que tenham deixado de ser um espaço de apresentação de idéias e debate de propostas para converter-se numa caixa de ressonância em que o cidadão assiste a sofisticadas produções televisivas que dizem exatamente aquilo que as pesquisas apontam que o eleitor quer ouvir.
Por outro lado, porém, o cidadão aprendeu algo e já não se deixa apanhar tão facilmente pelas armadilhas do velho populismo. Aos poucos, a população vai até criando anticorpos para os truques mais baratos dos modernos marqueteiros. Não se devem, porém, nutrir ilusões. A demagogia sempre existiu e sempre existirá, sendo uma das dificuldades com as quais as democracias têm de lidar. O filósofo Platão, já no século 5º a.C., denunciava o problema dos manipuladores da vontade popular.
O remédio do aprofundamento da democracia se impõe até pela ausência de alternativas. Uma das muitas boas frases do estadista britânico Winston Churchill é aquela que define a democracia como "a pior forma de governo, exceto todas as outras formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos". De fato, as alternativas à democracia testadas ao longo dos últimos cem anos se afiguraram como ensaios sinistros.
Pleitos municipais como o de hoje, mais do que eleições para governos estaduais e a Presidência, são uma excelente oportunidade de aprendizado para o eleitor. A maior proximidade entre representantes e representados permite uma comparação mais precisa do discurso do candidato com suas realizações depois de empossado. É a partir dessa confrontação que o cidadão cria mecanismos de defesa contra o engodo.
Depois de cinco eleições locais e quatro nacionais sob a égide da plena democracia, o eleitorado aprendeu alguma coisa. As figuras nacionais que se identificavam mais facilmente como grandes populistas foram varridas do cenário político. É preciso agora que sigamos nesse caminho e aprimoremos nosso juízo político.


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