São Paulo, domingo, 03 de outubro de 2004

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

A ilusão e o aparente progresso

No último domingo, o "Estado de S. Paulo" publicou uma preocupante reportagem sobre a involução da capital paulista no campo social sob o título de "Alerta São Paulo". Os dados apresentados referem-se à capital e à região da Grande São Paulo. Concentro meus comentários no primeiro caso, cidade onde vivo desde o dia em que nasci.
É claro que a São Paulo da minha infância e juventude tinha suas carências. As escolas eram para uma minoria, a rede de água estava apenas começando, a rede de esgoto era coisa de luxo, a coleta de lixo era limitada, e assim por diante.
Mas a cidade era limpa. Jamais alguém ousou pichar um prédio público nem muito menos uma residência particular. As árvores eram cultivadas com carinho. Os jardins, bem tratados. Os bondes eram asseados. Os banheiros públicos eram respeitados. Ninguém se banhava nos chafarizes das praças públicas.
Alguém pode argumentar que tudo isso decorria da relativa pequenez de São Paulo quando comparada com o gigantismo de hoje. Se tamanho é sinônimo de desleixo, Londres, Paris, Roma, San Francisco e Nova York seriam inabitáveis.
A referida reportagem mostrou um quadro social lamentável. Nos últimos dez anos, a renda per capita encolheu 23%. O número de famílias que vivem abaixo da linha da pobreza aumentou 50%. A proporção de crianças vivendo em lares pobres cresceu 62%. O montante de indigentes elevou-se em 88%. Os domicílios classificados como miseráveis aumentaram 117%!
Não é preciso falar sobre a conseqüência dessa terrível degradação social. Todos nós a sentimos na pele. São Paulo ficou mais feia, mais violenta e mais desumana.
Não adianta ser saudosista, eu sei. Afinal, cada tempo tem sua história. Mas tampouco podemos ficar inertes diante de alguns problemas de fácil solução. Recolher e abrigar os moradores de rua não é impossível. Afinal, seu número não é exagerado. Amparar e educar as crianças que vivem da patologia das esquinas não é inviável. Estudos recentes dizem que elas não passam de 10 mil. Uma política de empregos voltada para comércio e serviços poderia ter sido implantada a partir do início da desindustrialização da cidade.
Nestes dias de campanha eleitoral, ouvimos muitas promessas de obras faraônicas. É claro que a melhoria da infra-estrutura é importante para elevar a qualidade de vida, mas os graves problemas sociais apontados na aludida reportagem exigem ações que vão muito além de coqueiros e de viadutos.
Hoje é dia de votar. Iludem-se os que pensam ser isso suficiente para a solução dos problemas de São Paulo. Não há milagres. Todos os que habitam esta cidade terão de trabalhar muito para que na próxima década cheguemos a um quadro social melhor.
Mas o trabalho começa por escolher uma boa liderança. E continua com a nossa pressão diária sobre quem for escolhido. A democracia não se resume ao dia da eleição. É o mais trabalhoso de todos os regimes e também o que produz os melhores resultados. Tudo depende de nós, eleitores e cidadãos. Por isso, vote bem e prepare-se para muito trabalho.


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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