São Paulo, domingo, 03 de novembro de 2002

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A FOME DO FMI

Há pelo menos duas razões para a falta de prestígio do FMI, sobretudo após a crise asiática. Primeiro, suas receitas têm falhado sistematicamente. Segundo, há um número grande de países que ficam tempo demais nessa UTI financeira.
A catástrofe argentina resume bem uma das falhas do modelo do Fundo: ao exigir ajustes fiscais e arrochos monetários crescentes para aumentar a credibilidade de um governo, o FMI por vezes debilita as bases econômicas do governo, pois o ajuste recessivo corrói receitas públicas e aumenta a pressão sobre despesas. Especialmente as financeiras, pois é comum o Fundo recomendar a elevação dos juros para estabilizar o câmbio e gerar saldos comerciais.
Quanto à erosão das bases políticas, da Indonésia à Tailândia, passando pela Argentina, crises e derrotas de candidatos governistas mostram que a ortodoxia do FMI fragiliza governos e não vê limites para a imobilização de políticas públicas.
A sanha em favor de um choque de credibilidade que viria de mais arrocho fiscal e financeiro já se manifestou. Segundo reportagem da Folha, ao FMI agradaria uma elevação da meta de superávit primário em 2003. O tarifaço dos combustíveis já faz eco à abordagem clássica do FMI.
O argumento em favor de maior arrocho fiscal tem como base a deterioração da relação dívida pública/PIB após a onda recente de desvalorização cambial. Seria urgente mostrar aos credores que haverá recursos para honrar compromissos em 2003.
Ora, nos últimos dias já se observou um recuo significativo nas cotações do dólar. Parece precipitado calcular a relação dívida pública/PIB pelos níveis do dólar nas últimas semanas de especulação desvairada.
Na prática, o suposto choque de credibilidade tornaria ainda mais contraditória a receita do FMI. O arrocho tenderia a produzir mais recessão e a frustrar metas de ajuste.
É isso que então leva à segunda razão de descrédito do Fundo. Ao patrocinar políticas equivocadas, o FMI apenas prolonga a estadia dos países em desenvolvimento na sua UTI.
Atualmente, até a burocracia do Fundo questiona as "internações" prolongadas, pois elas desviam a organização de seu mandato, que é dar apoio temporário a países em crise.
Dessa perspectiva, nada evidencia tanto a inconsistência e a ineficácia das receitas do Fundo quanto a permanência prolongada de pacientes sob sua custódia. Ocorre que em muitos casos essa estadia ou a demanda recorrente de seus préstimos resultam do remédio receitado.
A economia brasileira é um dos exemplos mais dramáticos dessa lógica que aprofunda a dependência e fragiliza o Estado.
Em tese, somente economias que crescem podem honrar seus compromissos financeiros. A receita do FMI inverte os termos desse truísmo. Coloca freios ao crescimento em nome da recuperação do crédito.
O governo brasileiro precisa atender às expectativas de credores e investidores. Mas é crucial moderar o apetite do FMI, pois o seu tratamento de choque já perdeu credibilidade como estratégia para recuperar a confiança e a governabilidade.


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