São Paulo, domingo, 03 de dezembro de 2006

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Partido de programa

Em cerimônia de adesão ao governo Lula, lideranças do PMDB destilam pérolas de eufemismo e hipocrisia

PARECIA até um partido sólido, programático e organizado. Poucas vezes a fisiologia e a circunstância se cobriram de tamanha pompa e teatralidade como na cerimônia que formalizou o apoio do PMDB ao governo Lula, realizada em Brasília na quinta-feira passada.
Algumas frases pronunciadas nesse encontro mereceriam constar de uma antologia, ainda a ser feita, do talento brasileiro para o circunlóquio bacharelesco e para os artifícios da cosmética política.
Um dos mais imaginativos especialistas nesse campo, o deputado Michel Temer, considerou aceitável para a opinião pública a tese de que a adesão a Lula se dava em torno de uma lista de propostas de governo -em número de sete, para ser preciso. "Nosso compromisso é com esses princípios programáticos. Se forem adiante, nosso compromisso prosseguirá", afirmou o presidente do PMDB.
Seriam entretanto seis, e não sete, os itens realmente em pauta. Destes, três são conhecidos de longa data: atendem pelo nome de Ministério da Saúde, Ministério das Comunicações e Ministério das Minas e Energia -pastas que, sem nenhuma discussão programática, o PMDB já vinha ocupando no governo anterior. Quanto aos demais, as negociações se encontram em aberto.
A questão dos cargos, observou com suavidade Michel Temer, "é uma simples expectativa". Coube entretanto ao presidente do Senado, Renan Calheiros, a formulação mais abstrata e elegante do problema: "Trata-se de integrar o partido ao governo".
Integração talvez efêmera, como diz um dos poucos peemedebistas que dela discordam, o senador eleito Jarbas Vasconcelos. Prevê que dentro de seis meses surgirão os primeiros atritos, quando se perceber que o espaço no governo "não vai dar para todo mundo".
Seis meses seriam, de qualquer modo, suficientes para que o Planalto conseguisse aprovar no Congresso os principais pontos de sua agenda para os próximos anos -caso essa agenda existisse. Lula foi reeleito, todavia, sem que tivesse apresentado nenhuma idéia concreta para o seu futuro mandato, e a coreografia peemedebista em torno de supostos compromissos doutrinários nada mais faz do que repetir, em grande estilo, aquilo que se presenciou na própria campanha sucessória.
Milhões de miseráveis beneficiaram-se, nos últimos anos, do Bolsa Família; a fome peemedebista haverá de ser saciada, contudo, a mais alto preço -e por tempo bem mais curto.


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