São Paulo, domingo, 03 de dezembro de 2006

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Em péssima companhia

O TERCEIRO-MUNDISMO é um veio que a gestão do presidente Lula explora à farta na política externa. Faz parte da ração com que o governo alimenta os grupos ideológicos na intenção de compensar, no plano simbólico, a agenda conservadora adotada em outros campos.
Com freqüência, essa estratégia leva o Brasil a abraçar posições ora anacrônicas, ora inadequadas ao interesse nacional, ora até moralmente injustificáveis. Brasília acaba de emprestar seu aval ao pior genocídio em curso no planeta: o massacre de Darfur, que já matou mais de 200 mil pessoas e deixou 2,5 milhões de refugiados no Sudão.
Na terça-feira, no Conselho de Direitos Humanos da ONU, o Itamaraty se absteve de votar uma resolução que exigiria do Sudão o julgamento dos responsáveis pelo morticínio. A resolução acabou derrotada por 22 a 20 e 4 abstenções. Diplomatas sudaneses mal continham a satisfação diante do voto brasileiro.
A carnificina em Darfur começou em 2003, quando a população local rebelou-se contra o governo central, o qual acusava de discriminar os grupos não-árabes. Cartum passou então a armar a milícia Janjaweed, de sudaneses arabizados, que deu início a uma "limpeza" étnica.
O resultado da votação no Conselho diz tudo sobre a posição brasileira: o Itamaraty abandonou a companhia de países como Canadá, Finlândia, Holanda e Suíça -que condenaram o Sudão- para juntar-se a algumas das piores ditaduras do planeta. Votaram a favor de Cartum ou abstiveram-se nações como Arábia Saudita, Argélia, China, Cuba, Paquistão, Rússia e Zâmbia.
Vale ressaltar que as expectativas em torno da reforma do setor de direitos humanos da ONU se frustraram. O novo Conselho é tão ruim quanto sua antecessora, a desacreditada Comissão de Direitos Humanos. A aliança espúria entre ditaduras e países sem fibra moral faz com que a única nação sempre condenada pelo Conselho seja Israel.
A arte da diplomacia consiste em equilibrar-se, com alguma coerência, entre pragmatismo e apego a princípios morais. Quando o Itamaraty sacrifica o segundo em favor do primeiro numa questão tão grave como a de Darfur, lança o Brasil na incômoda posição de país que se cala diante de um genocídio.


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