São Paulo, domingo, 04 de janeiro de 2004

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MUDANÇAS NA CHINA

Desde o início das reformas, em 1979, o Estado chinês tem demonstrado uma impressionante capacidade de intervenção, explorando com êxito as oportunidades surgidas para promover o desenvolvimento e a modernização industrial.
Mediante a conjugação de várias formas de parceria do setor privado com o Estado, configurando "propriedades parcialmente estatais", a economia chinesa cresceu a taxas de 9% nos últimos 24 anos.
Para consolidar as atuais formas de acumulação privada e de regulação pelo mercado, o Partido Comunista propôs à Assembléia Popular Nacional uma alteração na Constituição, garantindo à propriedade privada o mesmo estatuto legal da pública.
"A propriedade privada obtida legalmente não deverá ser violada", afirma o novo dispositivo. Espera-se que a proteção constitucional à propriedade privada, em um país dominado pelo sistema estatal, fomente o investimento e a iniciativa popular.
Até o momento, o Estado chinês e as políticas públicas têm sido capazes de articular o sistema de planejamento central e a expansão dos mercados privados. Como afirmou o historiador britânico Jonathan D. Spence, diretor da Universidade Yale (EUA), em entrevista publicada nesta Folha: "O sistema chinês atual está bem distante dos objetivos revolucionários ou dos grandes movimentos de massa orquestrados por Mao Tse-tung nos anos 60". Todavia ainda permanece um "comunismo à chinesa", sob forte liderança, com apoio dos militares: os líderes políticos -diz Spence- continuam a tomar decisões pelo país inteiro.
O dinamismo da economia da China, bem como o peso de sua população e de seu poderio militar, já parece ter assegurado ao país papel relevante no cenário mundial. Muitos prevêem que o gigante asiático será o grande pólo alternativo aos EUA.
Todavia, a despeito de todos os avanços, os chineses ainda têm pela frente desafios de enormes proporções, entre eles a falta de energia, o elevado desemprego urbano (provocado pela acelerada migração rural) e um sistema financeiro complicado, com grande parcela de créditos incobráveis. A questão alimentar é também altamente preocupante. A agricultura estagnou-se na última década com a carência de água e os limites das terras cultiváveis. A necessidade de importar alimentos e combustíveis fósseis parece justificar a agressiva estratégia chinesa de superávit comercial, acumulação de reservas e estabilidade da moeda.
Há também problemas nas fronteiras, sobretudo com a Coréia do Norte e Taiwan. Como a ilha continua a ser considerada uma província rebelde, Pequim procura implementar a estratégia "um país, dois sistemas" para absorver seus capitais, prevendo uma futura integração.
No plano internacional, os chineses parecem dispostos a aprofundar a integração econômica com os tigres asiáticos e o Japão e a competir com os EUA. Ao que tudo indica, portanto, alianças entre os Estados e políticas de apoio aos seus capitais continuarão, ao contrário do que previam alguns, impulsionando transformações na ordem econômica mundial. A história não terminou. E uma das incógnitas que ela encerra é se -e como- a evolução do sistema chinês poderá resultar num regime que mereça um dia ser chamado de democrático.



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