São Paulo, segunda, 4 de janeiro de 1999

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A abrangência dos direitos humanos


A pessoa é o sujeito do direito internacional dos direitos humanos; sua proteção deve ir além das fronteiras dos Estados


HÉLIO BICUDO

O processo Pinochet, seja qual for o seu desfecho, é, sem dúvida, um marco histórico na construção do direito internacional dos direitos humanos.
Desde os julgamentos de Nuremberg, quando os maiores responsáveis por crimes contra a humanidade foram processados e julgados por um tribunal internacional, falou-se muito no direito dos vencedores.
Mas o certo é que, na indicação dos acusados pela prática de atos que resultaram na eliminação de milhões de pessoas -homens, mulheres e crianças- pelo simples fato de pertencerem a determinadas etnias ou por não concordarem com a ideologia nazi-fascista, não se cuidou com especificidade de vencidos, mas de tantos quantos tivessem violado direitos fundamentais de minorias raciais ou políticas que não se alinhavam ao poder dominante.
Recorde-se que algumas vozes se levantaram contra Nuremberg, sob o argumento de que se estava reduzindo a letra morta o princípio do "nullum crimen, nulla poena sine praevia lege". Demonstrou-se, contudo, que os crimes praticados já estavam, de uma forma ou de outra, inscritos na legislação dos povos e que não se poderia condescender com uma barbárie que seguia na contramão da história.
Foi justamente a partir daí que houve uma evolução no tratamento internacional dos direitos humanos, inseridos nas declarações Americana e Universal, proclamadas, respectivamente, em maio e dezembro de 1948, com aperfeiçoamentos mais recentes, mediante normas que buscam de maneira mais efetiva a proteção das minorias, das mulheres, das crianças, dos jovens e dos idosos.
No que respeita aos crimes de lesa-humanidade e de guerra, tivemos a instalação dos tribunais que processaram e julgaram os responsáveis pelos crimes praticados na Bósnia-Herzegóvina e na Iugoslávia. Neste ano, cuidou-se da criação de um tribunal penal internacional, ainda na dependência, para sua instalação, da adesão de países até que se perfaça o número considerado ideal.
Entretanto, enquanto não se instalam a corte penal ou outros tribunais internacionais para julgar este ou aquele crime e seus autores, os países cujos nacionais foram vítimas de delitos contra a humanidade estão chamando a si o julgamento dos autores desses delitos. É uma situação de transição, que irá encontrar seu deslinde com a instalação e o funcionamento dos tribunais internacionais permanentes.
Como toda situação de transição, esta em que nos encontramos apresenta problemas, como o inconformismo de governos que, com o julgamento de seus súditos em outros países, sentem diminuída sua soberania, seguindo conceitos envelhecidos, num mundo hoje mais cônscio de sua unidade.
Vamos ter -nesse meio tempo- de conviver com situações aparentemente injustas, como a atuação dos países desenvolvidos a impor sua vontade às nações mais frágeis.
Mas, não obstante esta ou aquela dificuldade, o progresso da humanidade nessa busca constante da implementação e da concretização dos direitos humanos vai sendo feita assim mesmo, com exemplos às vezes discutíveis na forma, mas irrepreensíveis na sua vontade de justiça. Hoje, a pessoa é o verdadeiro sujeito do direito internacional dos direitos humanos; por conseguinte, a sua proteção deve ir além das fronteiras dos Estados.


Hélio Bicudo, 76, jurista, é deputado federal pelo PT de São Paulo, presidente do Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo, membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) e membro do Fórum Interamericano de Direitos Humanos (Fideh). É autor de "Direitos Humanos e Sua Proteção", entre outros livros.




Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.