São Paulo, segunda, 4 de janeiro de 1999

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O mito da redução de vagas nas escolas


Não faz sentido demandar a criação de vagas com base em informações errôneas; isso geraria desperdício


ROSE NEUBAUER

Alega-se que o governo do Estado de São Paulo tem reduzido as matrículas nas escolas públicas estaduais. Essa alegação é falsa. Ela advém de leitura apressada das informações do Censo Escolar, divulgado pelo Ministério da Educação. Para avaliar adequadamente essa realidade, é preciso levar em conta os resultados da modernização e da informatização nas matrículas da rede estadual de ensino, a transferência de alunos das escolas estaduais para as municipais e, por fim, a dramática queda do número de alunos em idade escolar, por força da redução da taxa de crescimento da população do Estado. Vejamos cada um desses itens.
As diretrizes educacionais para o atual governo apontavam, já em 1995, fortes discrepâncias entre a população residente no Estado e a registrada no Censo Escolar. Na faixa etária de 7 a 14 anos, existiam cerca de 200 mil estudantes matriculados nas escolas públicas a mais do que o número de crianças residentes no Estado. Isso acontecia, provavelmente, porque alguns pais matriculavam seus filhos em mais de uma escola, na tentativa de garantir vagas no início do ano letivo.
Mas por que essas crianças não eram eliminadas dos registros do Estado, se não compareciam às escolas? O principal motivo é que não havia um sistema de controle de matrículas, implantado quando Mário Covas assumiu o governo, em 1995. As equipes escolares deixavam, até por falta de recursos materiais, de informar a existência de "alunos-fantasmas" na rede.
Além disso, não se pode deixar de registrar que não havia motivação para que tal informação fluísse; ao contrário, gratificações de 20% a 40% dos salários eram pagas de acordo com o número de alunos matriculados em cada unidade escolar. E a duplicidade de matrículas de "alunos-fantasmas" acabava sendo mantida.
Com o cadastramento informatizado dos alunos do Estado, foi possível, em 1996, comparar e checar informações sobre mais de 6 milhões de matrículas, enviadas por todas as escolas estaduais. Com isso, a Prodesp detectou, em agosto de 1996, a existência de 285 mil matrículas duplicadas, dados amplamente divulgados pela grande imprensa na época. Por esse motivo, o Estado registrou 5.263.112 alunos no ensino fundamental e médio em 1995 e somente 5.078.539 em 1996. Foi a correção de estatísticas errôneas que produziu essa queda, sem que tivesse ocorrido redução real das vagas ofertadas.
Assim, com a introdução da matrícula informatizada, do RG escolar e da atualização do cadastro, foi possível não só corrigir as estatísticas escolares do Estado, mas também economizar recursos que seriam indevidamente gastos com construções, merendas e materiais para alunos que não existiam.
Uma segunda mudança, que se reflete nas estatísticas educacionais e deve ser cuidadosamente examinada, reside no interesse das prefeituras em criar ou ampliar suas redes de ensino, a partir da lei federal que criou o Fundef (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério). Sabendo que, se tivessem alunos, receberiam recursos do Fundef, as prefeituras dobraram o número de estudantes: em três anos, o total de alunos municipais paulistas foi de 646,5 mil para 1.194.819. Isso ocorreu pela manifestação espontânea de prefeitos e vereadores; os municípios assumiram cerca de 550 mil alunos, bem como prédios e equipamentos antes sob a tutela da administração estadual.
Finalmente, as estatísticas educacionais vêm refletindo nas últimas décadas uma diminuição do crescimento demográfico paulista, hoje de 1,5% ao ano. Isso tem provocado sensível queda no número de crianças com sete anos de idade. Em 1993, o total era de 678.051; em 1996, caiu para 640.812; em 1999, será de apenas 588.712 crianças. Entre 1993 e 1996, o número de crianças com sete anos diminuiu quase 15%, fato que tem de se refletir nos censos escolares e nas matrículas.
Tomando como base as matrículas apontadas em 1995 (6.521.325) e subtraindo delas os 550 mil alunos transferidos para os municípios e as 285 mil matrículas duplicadas eliminadas, obter-se-á um total de 5,7 milhões de alunos. No entanto, a rede estadual registra, em 1998, um total de 6.024.166 alunos realmente matriculados. Não há, pois, como negar um inequívoco crescimento de vagas no período.
Em vista do exposto, é fácil comprovar que não houve eliminação de vagas. Ao contrário: o Estado ofertou mais de 300 mil novas matrículas nos últimos quatro anos. Construiu centenas de escolas e salas de aula para atender a demanda existente e garantir a milhões de alunos não quatro, mas cinco horas diárias de aula, ou um ano a mais de escolaridade a cada quatro anos.
Neste ano, a rede estadual de ensino, em parceria com a municipal, continuará garantindo às crianças de 7 a 14 anos vagas nas escolas, como vem fazendo desde 1995. Não faz sentido, portanto, demandar a criação de vagas com base em informações falsas ou errôneas: isso seria gerar desperdício e mau uso dos recursos públicos.


Rose Neubauer, 53, é secretária da Educação do Estado de São Paulo, professora da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisadora sênior na Fundação Carlos Chagas. Foi coordenadora de Estudos e Normas Pedagógicas da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (governo Quércia).




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