São Paulo, terça-feira, 04 de fevereiro de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Um novo estilo de governo
BETTY MILAN
7) A política não exclui o inconsciente. O inconsciente não obedece o princípio da não-contradição. Lula também não. Vai tanto a Porto Alegre quanto a Davos. Por isso disse no discurso de posse que "a nação é contraditória, mas não é contrária a si mesma". Assim a tendência do governo é de praticar a inclusão: "Toda migração é bem-vinda, porque todo migrante se transforma em mais um brasileiro". 8) A política tornou-se surpreendente. Ou seja, do interesse de todos. Tão surpreendente que, durante a posse, um dos cavalos dos Dragões da Independência caiu, derrubando o cavaleiro. 9) A relação com a realidade mudou. Enxergá-la é um imperativo. O presidente sabe que os ministros conhecem a nossa realidade, mas fez questão do "olho no olho" com a pobreza, por saber que podemos ser vítimas da recusa inconsciente de um fato. 10) O erro em público se tornou admissível. Durante a viagem com os ministros, Lula apresentou o da Saúde dizendo que ele seria ministro. Depois se corrigiu, acrescentando que já o era, pois as eleições estavam ganhas. Capitalizou o erro, revelando o quão surpreendente a vitória é para ele. Ganhou sendo humilde. Como Carlito Maia, um dos fundadores do PT, Lula sabe que a perfeição não é deste mundo. Como Oswald de Andrade, ele poderia falar na contribuição milionária de todos os erros. 11) Lula valoriza a verdade e a prudência. Afirmou: "Quando não puder, direi que não posso". Comprometeu-se com a verdade, mas deu a entender que ela precisa ser dita de maneira prudente e que a forma de se comunicar com a nação é decisiva. Ao reunir pela primeira vez todos os ministros, declarou que a situação do país não é boa e acrescentou: "A gente vai descobrir coisas que ainda não apareceram na transição -e, obviamente, cada vez que descobrirmos, teremos de pensar como comunicar à nação- porque, se não comunicarmos corretamente, seremos culpados pelos erros que os outros cometeram". 12) A aceitação do erro e o compromisso com a verdade e a prudência tornam a falta de solidariedade inconcebível. O ministro Ciro Gomes declarou que "o país está numa situação difícil, e toda pessoa de bem tem de colaborar". A prevenção consequentemente se impõe. Ciro prometeu reestruturar a defesa civil para prevenir catástrofes causadas por chuvas. A promessa revela mudança no nosso imaginário. 13) Nós temos consciência de quem somos. Somos o povo que passou para a esquerda sem derramamento de sangue ou ressentimento. Que precisa cumprir a sua "grande missão planetária". Quase um terço da população vive abaixo do nível de pobreza, mas acreditamos - por causa de nossa auto-estima- que isso não irá perdurar. 14) Já não vivemos perdidos no mapa-múndi do Brasil. "A democratização no plano internacional é tão importante quanto no plano interno", falou Lula no seu discurso de posse, antes de sugerir que a crise do Oriente Médio seja resolvida pacificamente e pela negociação. O mundo agora nos concerne tanto quanto o Brasil. Betty Milan, escritora e psicanalista, é autora de "O Clarão" e "A Paixão de Lia", entre outros livros. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Ruy Altenfelder: Nova legislatura, velha distorção Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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