São Paulo, segunda-feira, 04 de fevereiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ALBA ZALUAR

Escola de vida

CARNAVALESCA confessa, freqüento a rua Senhor dos Passos à procura de fantasias de vez em quando. Neste ano, decepção. As fantasias à venda estão menos ligadas às tradições do Carnaval, cada vez mais dependentes dos super-heróis e da Disney World, sem falar das numerosas e estereotipadas fantasias de "destaque" do desfile das escolas de samba. Não vi pierrôs, colombinas, arlequins, tirolesas, gregos, ciganas e odaliscas que povoaram de imaginação cosmopolita o Carnaval da minha infância.
Defensora do samba, vislumbro com alegria Rio de Janeiro e São Paulo, duas cidades irmanadas no gosto pelo sambódromo. Os desfiles criam centenas de milhares de empregos diretos e indiretos. Indústrias de confecção, de instrumentos musicais e de materiais para montar os cada vez mais tecnicamente sofisticados carros alegóricos, fantasias e alegorias de mão continuam evoluindo ao ritmo das baterias das escolas. Microempresários, trabalhadores autônomos e biscateiros também fazem a sua festa para enfrentar as agruras do desemprego, mesmo que em ciclos.
Mas é preciso lembrar, escola de samba, escola de vida. No Rio de Janeiro, onde fiz tantas pesquisas, o samba é um modo de vida que organiza a vida social das vizinhanças nos bairros mais pobres da cidade, especialmente nos antigos subúrbios, seu berço e sua fonte inesgotável de inspiração. Como dizem os antropólogos, ali o samba é cultura porque ensina, além da música de ritmo sincopado, posturas, práticas sociais, valores e alegria durante o ano todo.
Por muito tempo os intelectuais mais lidos deste país associaram o samba à malandragem. Não viram que as escolas de samba, buscando a harmonia e a união, fizeram sua história na cadência da formação de sindicatos e da solidariedade entre trabalhadores nos bairros pobres onde foram surgindo.
Para eles, samba é alegria e folia, ingredientes fundamentais da felicidade, mas também da amizade, solidariedade e união, sem as quais não se pode fazer política nem reivindicar melhorias.
Li que, na Alemanha, há cursos para ensinar as pessoas a rir. Nós brasileiros, se quisermos, podemos aprender isso o ano inteiro com os sambistas, que inclui o pessoal do frevo, do maracatu, dos blocos afro da Bahia. E renovar ainda mais o aprendizado nos dias da folia, também chamada Carnaval. Ainda temos muito a aprender com as lições de amizade, harmonia, tolerância e união que os sambistas, dentro e fora das escolas, ainda nos brindam quando se reúnem em festas no céu. O samba só acaba quando raia o sol, dizem seus poetas maiores. Benza Deus.


ALBA ZALUAR escreve às segundas-feiras nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Ruy Castro: Legados de amor e beleza
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.