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CLÓVIS ROSSI
Perguntas singelas
SÃO PAULO - Na quinta-feira, o
repórter Raphael Gomide relatou
como as forças brasileiras a serviço
das Nações Unidas ocuparam "Bois
Neuf, região de Cité Soleil, favela
mais violenta do país e principal reduto das gangues criminosas da capital haitiana".
No dia seguinte, o ombudsman
desta Folha, o notável jornalista
que é Marcelo Beraba, fazia o que
ele próprio batizava de "pergunta
singela", a saber. Se forças brasileiras são capazes de tomar bastião de
gangues no Haiti, "por que não conseguem tomar um só bastião de
gangues no Rio?".
Alguém se anima a responder?
Aliás, há mais uma pergunta
"singela" a ser feita a partir das operações das tropas brasileiras no
Haiti: se servem para trabalho de
polícia no Caribe, por que não servem para o trabalho de polícia no
próprio Brasil?
Não estou sugerindo nada, mas
queria entender. Afinal, um dos argumentos, talvez o principal, para o
veto ao uso de tropas como polícia é
o suposto (ou real) despreparo delas para atuar em um marco que é
de guerra, sim, mas não é de guerra
regular, o terreno do Exército.
Não há diferença substancial entre a situação no Haiti e em certas
áreas do Brasil. Há diferenças de
escala (a deterioração do Estado é
mais profunda lá, mas não menospreze a capacidade de o Brasil piorar). No mais, o que se dá no Haiti é
que as forças brasileiras não enfrentam um Exército regular, não
atuam em campos de batalha delimitados longe de áreas civis e enfrentam delinqüentes que não precisam ocupar o poder para fazer
seus negócios.
Vale para o Haiti, vale para todos
os "bastiões de gangues" espalhados pelo país, inclusive nas áreas de
fronteira, o novo "faroeste" conforme se viu em estudo divulgado esta
semana.
Pena que o Brasil se recuse a fazer-se perguntas "singelas". Imagine então as complexas.
crossi@uol.com.br
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