São Paulo, terça-feira, 04 de março de 2008

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MARCOS NOBRE

O bacharel e o grosseirão

VEZ POR OUTRA aparece a conversa de qual presidente é "um estadista". "Estadista" é alguém que não faz a gente passar vergonha. "A gente" quer dizer quem lê jornal. E "passar vergonha" significa parecer brasileiro. Lula atacou de brasileiro mais uma vez. Falou como se estivesse em uma roda de amigos sobre onde o Judiciário deveria ou não meter o seu nariz.
O ministro Marco Aurélio Mello respondeu: "Conhecemos o estilo do presidente. Às vezes, quando deixa o script e parte para o improviso, ele não nos surpreende, ele nos estarrece, como nos estarreceu por último".
Traduzindo: quando alguém com a devida cultura e os devidos diplomas universitários escreve o discurso e Lula apenas lê, "a gente" respira aliviado. Quando se mete a falar por conta própria, é de "passar vergonha".
Mas o ministro do STF é magnânimo, acha que o presidente e seu governo ainda podem aprender.
Por isso completou: "Eu tentei, numa atuação pedagógica, alertar o governo quanto à existência de uma lei que veda peremptoriamente qualquer criação de plano social no ano das eleições e também aumento de plano social".
O debate sobre o episódio foi tão sofrível quanto o próprio acontecimento. Ficou na oposição entre o grosseirão que não consegue ser estadista e o bacharel mestre-escola incompreendido.
Para ir além dessa superficialidade é preciso partir do pressuposto simples de que Lula não é um idiota. Toma decisões políticas equivocadas, com certeza, como qualquer outro político. Mas não compra briga à toa com parlamentares e com juízes.
Em termos políticos, o que realmente importa neste episódio é o isolamento paradoxal de Lula. É difícil encontrar um presidente mais popular. A economia vai de vento em popa. E, no entanto, parece que Lula não vai conseguir implementar nenhuma nova política de governo até o final de seu mandato.
A partir da derrota da CPMF, ficou claro que Lula não aprovará mais nada no Legislativo. A não-aprovação do Orçamento de 2008, por exemplo, significa colocar todo o governo a pão e água durante o ano inteiro. Sua "base parlamentar" não serve para aprovar nada. Serve apenas para impedir que a oposição tome conta de vez do Congresso.
Na defensiva no Legislativo, Lula resolveu partir para a ofensiva no STF. Indicou nada menos do que 7 dos 11 ministros e não quer perder essa vantagem. Aproveitando do isolamento de Marco Aurélio Mello no tribunal, fez-lhe uma provocação para convocar sua tropa à unidade. Se vai conseguir ou não manter esse último bastião, "a gente" vai saber em breve.


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.


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