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São Paulo, sexta-feira, 04 de abril de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Repactuando a segurança pública

LUIZ EDUARDO SOARES

Sem a visibilidade correspondente à sua importância, estão em curso duas iniciativas que podem vir a constituir um divisor de águas na segurança pública:
1. A criação da Comissão Interinstitucional Permanente de Investigação do Crime Organizado, que reúne 35 deputados federais dos mais diversos partidos e Estados, liderados pelo deputado Moroni Torgan, e que conta com a participação do Ministério da Justiça, da Receita Federal, da Polícia Federal e de representantes do Ministério Público e da magistratura;
2. E a instalação do Sistema Único de Segurança Pública, coordenado por um Gabinete de Gestão Integrada, que opera sem hierarquia interna, por consenso, articulando as instituições federais, estaduais e municipais, do campo da segurança e da Justiça Criminal.
Essa articulação preserva plenamente a autonomia das instituições envolvidas. Não se trata de unificação, mas de integração prática. Por isso, o sistema é único, mas as instituições que se articulam para compô-lo são diversas e autônomas. No Espírito Santo, o Susp já começa a produzir resultados. No Rio Grande do Sul, será edificado em ritmo mais adequado à realização máxima de suas virtudes. Outros Estados da Federação poderão tomar iniciativas semelhantes.
A comissão e o Susp representam a emergência de um novo paradigma no combate ao crime e na organização dos agentes da segurança pública: promovem integração e pactos entre atores institucionais, superando as divisões que geram ineficiência. A hiperpolitização da segurança tem produzido dinâmica predatória, que inviabiliza a unidade nas ações e lhes subtrai autoridade. Segurança é matéria de Estado, não de governo, e deve permanecer acima de divergências partidárias.
O Susp e o Gabinete de Gestão Integrada inspiram-se em três experimentos bem-sucedidos: missões especiais; forças-tarefas; e gabinetes de gestão de crise. Eles costumam ser eficientes porque são iniciativas de tipo multissetorial, definem focos e metas com objetividade, trabalham com informações e pessoal qualificado, segundo metodologias adequadas às circunstâncias e ao ambiente interinstitucional. Seu limite é a provisoriedade. O Susp destina-se a tornar permanentes e mais abrangentes as virtudes referidas.


Na área da segurança pública brasileira, agimos por espasmos voluntaristas, pautados pelas tragédias


O novo paradigma também se caracteriza pela natureza do movimento que o potencializa: a iniciativa retorna ao Estado, às instituições públicas e à cidadania. Nesse caso, trata-se de duas iniciativas convergentes e complementares, voltadas para as urgências do presente, mas simultaneamente dirigidas à construção do futuro, na medida em que semeiam e antecipam a reconfiguração de todo um campo institucional.
Na área da segurança pública brasileira, agimos por espasmos voluntaristas, pautados pelas tragédias. Dificilmente há tempo e condições políticas para pensar e preparar o ano seguinte; raramente há oportunidade para analisar a realidade e planejar ações estratégicas, identificando métodos pertinentes e mecanismos sistemáticos de avaliação e monitoramento, com transparência e controle externo.
Com razão, acossada pelo medo, a sociedade reclama medidas emergenciais que afastem a ameaça que a aterroriza. Compreensivelmente, despreza esforços voltados para o próximo ano. Quer saber da segurança já. Os criminosos não darão trégua para que as autoridades reorganizem suas instituições, reformem a gestão, revisem as rotinas e capacitem os operadores. Por isso, as referências à necessidade de transformações estruturais nas polícias e em outras agências do campo da Justiça Criminal soam irresponsáveis.
Tudo o que se desvia do imediato parece, à sociedade angustiada, justificadamente, mera desconversa. Cabe aos gestores respeitar esses sentimentos e responder com agilidade às emergências, sem descurar do compromisso com processos que exigem amadurecimento para alcançar resultados duradouros e consistentes.
O desafio é reorganizar radicalmente sem desorganizar as precárias estruturas existentes. Para enfrentar o tempo de transição, é indispensável construir a mais ampla coalizão política possível. Uma coalizão pela paz, contra a barbárie. A coalizão deve unir o espectro político e o conjunto das instituições públicas. O Sistema Único de Segurança Pública e a Comissão Interinstitucional Permanente de Investigação representam a melhor combinação possível entre operacionalidade e criação de condições políticas e técnico-operacionais para o combate ao crime organizado.

Luiz Eduardo Soares, 49, antropólogo, é secretário nacional de Segurança Pública.


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