|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Ensino e futuro
Nada é mais importante no Brasil de nossos dias do que a capacitação dos brasileiros por meio da melhora da qualidade da educação. E, no
esforço para melhorar-lhe a qualidade, nada é mais fundamental -ou
menos discutido- do que o conteúdo e o método do ensino. Entre nós,
porém, debate-se qualquer coisa acerca do ensino, menos o ensino em si
mesmo. A controvérsia a respeito da
orientação pedagógica continua desdenhada como luxo e divagação. Está
errado, tragicamente errado.
O Brasil não ascenderá no mundo
na trilha da China, como país de trabalho barato e descartável. Não temos
centenas de milhões de lavradores dispostos a fazer tudo por nada. O que
nós temos, em meio a uma riqueza natural singular, são dezenas de milhões
de trabalhadores, a maioria sem emprego seguro ou legal, marcados por
energia desmedida e desequipada, em
busca de oportunidade para subir a
escada da qualificação educativa e da
oportunidade econômica. Precisamos
transformar o improviso acidental em
flexibilidade pensada. Para isso, só há
um jeito: mostrar aos jovens como fazer, ministrando-lhes ensino que,
mais do que informativo, seja capacitador.
Permito-me traduzir essa tese em
depoimento pessoal. O maior educador da nação que tivemos foi Anísio
Teixeira. Quando ele tinha mais de 60
anos e eu menos de 20, tornei-me seu
amigo e interlocutor. Como secretário
de Educação do governo de meu avô
na Bahia, ele havia implantado a escola-parque, depois divulgado por mãos
de seu discípulo Darcy Ribeiro sob o
nome de escola integral. O que ficou
claro em minhas conversas incessantes com Anísio é que a escola de tempo
integral, com apoio amplo ao aluno,
destinava-se a ser apenas o arcabouço
físico e social de uma educação revolucionária no método e no conteúdo.
Enciclopedismo superficial e inconseqüente cederia lugar a ensino que mobilizasse a informação seletiva e aprofundada como palco para o desenvolvimento de capacidades analíticas. Na
Universidade de Columbia, Anísio se
havia debruçado sobre os escritos de
John Dewey e encontrado na filosofia
do pragmatismo americano incitamento para a revolução de ensino que
preconizava no Brasil. Julgava-se derrotado. Esquecera a advertência de
Unamuno: por serem vitoriosos os
que se adaptam às ideias do mundo e
derrotados os que exigem que o mundo se adapte a suas idéias, é dos derrotados que depende o avanço da humanidade.
Tomei como minha a causa do Anísio. Não há futuro para nós sem que se
instaure em nosso país um ensino que
substitua o enciclopedismo pelo aprofundamento, a informação morta pela
análise viva, o individualismo e o autoritarismo na sala de aula pela cooperação e a transmissão de um conhecimento tido por canônico pela experiência da dialética de pontos de vista
contrastantes. De todas essas formas,
o que se impõe é a antecipação para
cada estágio da aprendizagem, desde
os primeiros, de características do trabalho científico e crítico mais alto.
Meu malogro na defesa dessa tese
tem sido acachapante. Apesar dos
muitos anos e dos numerosos contextos em que luto por ela, não consegui
trazer para ela um único dos meus
concidadãos. Afirmo, entretanto, que
nisso erram eles gravemente. Por isso,
persistirei.
Consolo-me com a observação do
poeta Blake: se o tolo persistisse em
sua tolice, ficaria sábio.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Sangue e cara-de-pau Próximo Texto: Frases
Índice
|