São Paulo, terça-feira, 04 de abril de 2006

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Ensino e futuro

Nada é mais importante no Brasil de nossos dias do que a capacitação dos brasileiros por meio da melhora da qualidade da educação. E, no esforço para melhorar-lhe a qualidade, nada é mais fundamental -ou menos discutido- do que o conteúdo e o método do ensino. Entre nós, porém, debate-se qualquer coisa acerca do ensino, menos o ensino em si mesmo. A controvérsia a respeito da orientação pedagógica continua desdenhada como luxo e divagação. Está errado, tragicamente errado.
O Brasil não ascenderá no mundo na trilha da China, como país de trabalho barato e descartável. Não temos centenas de milhões de lavradores dispostos a fazer tudo por nada. O que nós temos, em meio a uma riqueza natural singular, são dezenas de milhões de trabalhadores, a maioria sem emprego seguro ou legal, marcados por energia desmedida e desequipada, em busca de oportunidade para subir a escada da qualificação educativa e da oportunidade econômica. Precisamos transformar o improviso acidental em flexibilidade pensada. Para isso, só há um jeito: mostrar aos jovens como fazer, ministrando-lhes ensino que, mais do que informativo, seja capacitador.
Permito-me traduzir essa tese em depoimento pessoal. O maior educador da nação que tivemos foi Anísio Teixeira. Quando ele tinha mais de 60 anos e eu menos de 20, tornei-me seu amigo e interlocutor. Como secretário de Educação do governo de meu avô na Bahia, ele havia implantado a escola-parque, depois divulgado por mãos de seu discípulo Darcy Ribeiro sob o nome de escola integral. O que ficou claro em minhas conversas incessantes com Anísio é que a escola de tempo integral, com apoio amplo ao aluno, destinava-se a ser apenas o arcabouço físico e social de uma educação revolucionária no método e no conteúdo. Enciclopedismo superficial e inconseqüente cederia lugar a ensino que mobilizasse a informação seletiva e aprofundada como palco para o desenvolvimento de capacidades analíticas. Na Universidade de Columbia, Anísio se havia debruçado sobre os escritos de John Dewey e encontrado na filosofia do pragmatismo americano incitamento para a revolução de ensino que preconizava no Brasil. Julgava-se derrotado. Esquecera a advertência de Unamuno: por serem vitoriosos os que se adaptam às ideias do mundo e derrotados os que exigem que o mundo se adapte a suas idéias, é dos derrotados que depende o avanço da humanidade.
Tomei como minha a causa do Anísio. Não há futuro para nós sem que se instaure em nosso país um ensino que substitua o enciclopedismo pelo aprofundamento, a informação morta pela análise viva, o individualismo e o autoritarismo na sala de aula pela cooperação e a transmissão de um conhecimento tido por canônico pela experiência da dialética de pontos de vista contrastantes. De todas essas formas, o que se impõe é a antecipação para cada estágio da aprendizagem, desde os primeiros, de características do trabalho científico e crítico mais alto.
Meu malogro na defesa dessa tese tem sido acachapante. Apesar dos muitos anos e dos numerosos contextos em que luto por ela, não consegui trazer para ela um único dos meus concidadãos. Afirmo, entretanto, que nisso erram eles gravemente. Por isso, persistirei.
Consolo-me com a observação do poeta Blake: se o tolo persistisse em sua tolice, ficaria sábio.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger


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