São Paulo, terça-feira, 04 de abril de 2006

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CARLOS HEITOR CONY

Sangue e cara-de-pau

RIO DE JANEIRO - O cronista Rubem Braga passou uma temporada fora do país e, quando voltou aos pagos, descobriu que a única novidade que o Brasil havia produzido fora o Hollywood com filtro.
Para os que não sabem, Hollywood era marca de um cigarro, acho que o top de linha da Souza Cruz. E cigarro com filtro era novidade para atenuar os males do fumo, representava um avanço tecnológico apreciável. O filtro seria um ancestral da camisinha. Os mais ortodoxos, como eu, continuaram fumando sem filtro, o próprio Rubem Braga não o aceitou. Grande Rubem.
Passei quatro semanas fora do país, desconectado de tudo e, como sempre, tinha engulhos quando via em qualquer lugar, jornal ou TV, qualquer notícia sobre o Brasil. Chamo a isso profilaxia física e mental. Sabia que ao voltar haveria alguma novidade, coisa transcendental, como um cigarro com filtro ou uma pizza sem mozarela -que aumenta o colesterol dos corretamente sadios.
Dirão que estou sendo mais tapado do que costumo ser. Afinal, um brasileiro subiu ao espaço, um ministro da Fazenda, que durante três anos e meio se ocupava dos trilhões de reais de nossas burras, ficou impressionado com um depósito mixuruca na conta de um caseiro que ele nem conhecia.
O presidente da República, que continua não sabendo de nada, fez mais um elogio àqueles que, como ele, só aprenderam as lições da vida, incluindo entre as lições de vida na qual se destacou, o aperfeiçoamento de uma cara-de-pau exemplar. Tem na ponta da língua a escalação do seu time de futebol, mas duvido que saiba o nome de metade de seu atual ministério.
Obrigado pelo ofício a ver como vão as coisas, não sei se ainda há Hollywood com ou sem filtro. Antigamente, somente os jornais que se dedicavam ao crime comum pingavam sangue. "Pau comeu na noite de núpcias", foi a manchete de um deles.
Hoje, qualquer jornal, os mais austeros, exige sangue. E a cara-de-pau de Lula nos come todos os dias.


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