São Paulo, Domingo, 04 de Abril de 1999
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POSSÍVEL MUDANÇA NO BC

Os acontecimentos recentes envolvendo o Banco Central e bancos privados e a forma como foi conduzida a transição do regime de âncora cambial para o de flutuação sugerem uma zona de sombra em torno e mesmo dentro da instituição que deve ser a guardiã da moeda.
As autoridades continuam devendo esclarecimentos à sociedade, sobretudo no que se refere aos critérios que ampararam a decisão de socorrer os bancos Marka e Fonte-Cindam, vendendo-lhes dólares subsidiados sem que, em tese, suas dificuldades representassem riscos sistêmicos para o setor financeiro.
Não se trata, é preciso sublinhar, de defender teses ultrapassadas e populistas, se não demagógicas mesmo, de sujeição do BC a controles externos, políticos. O que já se viu, no passado, é a destruição da moeda sempre que o Banco Central se presta a ser um financiador compulsório do déficit público. Isso é inaceitável.
Entretanto, há outra questão, pouco debatida no Brasil, relativa à distinção entre a ação do BC como gerente da política monetária e suas ações de supervisão prudencial.
De um lado há decisões cotidianas, necessariamente sigilosas e previstas em qualquer manual de economia, voltadas para a regulação da liquidez nos mercados.
Elas exigem operações de assistência de liquidez a instituições que, por razões circunstancias, chegam ao final do dia com problemas de caixa.
Outra coisa, bem distinta, é a gestão irresponsável, a opção pela especulação desmedida ou sem lastro mínimo e mesmo a constatação de repetidas irregularidades. Nesses casos, trata-se de exercer a mais rigorosa supervisão, com base em regras claras, tanto para os bancos quanto para as autoridades econômicas.
Uma terceira ordem de problemas diz respeito aos erros de política econômica, à aposta teimosa ou irresponsável no prolongamento da âncora cambial e mesmo à incompetência técnica na condução de uma mudança de regime cambial.
A gestão da política monetária é atribuição convencional do Banco Central. Os erros de política econômica são lamentáveis, mas as urnas continuam como o melhor tribunal dos governantes.
O que é inaceitável, no Brasil, é a frequente desenvoltura com que as decisões relativas à supervisão prudencial são tomadas. Sem prestação de contas, sem transparência, sem regras ou responsabilização.
A cada vez que o Banco Central usa, nas palavras do seu atual presidente, Armínio Fraga, "o seu, o meu, o nosso dinheiro" para socorrer instituições quebradas ou em vias de quebrar, e o faz sem apresentar razões, dados ou critérios objetivos e transparentes, abre-se um perigoso precedente. Estimula-se a irresponsabilidade tanto entre os bancos quanto entre os burocratas.
Tudo é feito sempre em nome de evitar a quebra do sistema, o contágio, o pânico. Mas é preciso perguntar se não se tem abusado muito desse tipo de justificativa.
Em outros países, optou-se pela separação entre gestão da moeda e a supervisão do sistema financeiro. É uma idéia que, no caso brasileiro, merece ampla discussão. Mas isso não dispensa de modo algum o governo de esclarecer o que se passou na mudança de regime cambial.


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