São Paulo, Domingo, 04 de Abril de 1999
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Páscoa, esperança renovada


A morte não será o destino último de todas as coisas. Ao contrário, a última palavra será da vida e não da morte


CLÁUDIO HUMMES

A Páscoa nos recorda que Jesus, morto na cruz, ressuscitou dos mortos, no terceiro dia, e está vivo para sempre. Na verdade, a ressurreição de Cristo constitui a notícia mais extraordinária e mais transformadora de toda a história humana. Continua sendo, ainda hoje, uma notícia que provoca o homem moderno. Se é verdade que Cristo ressuscitou dos mortos, então a morte foi vencida radicalmente. Seu domínio no mundo já foi abalado em definitivo.
A experiência cotidiana nos leva a constatar que todas as formas de vida neste nosso planeta um dia morrem. A morte parece a coisa mais certa e inevitável. Filósofos e cientistas se debatem com essa certeza experimental.
A morte, com efeito, é o mal maior, pois significa a destruição total, a perdição, o argumento maior do niilismo e das filosofias do absurdo -o não-sentido da vida humana e a ilusão da história. Se a morte é realmente o destino de tudo, então a vida humana perde toda sua consistência real.
Mas não! Cristo ressuscitou dos mortos. Essa verdade é atestada e registrada em escritos da época. As testemunhas são os apóstolos de Jesus e muitos outros de seus discípulos, que acabaram sofrendo a condenação à morte por defender essa verdade e, mesmo assim, não se retrataram. Por que seu testemunho não seria válido, se chegaram a enfrentar a morte por isso? As narrativas da época, que chegaram até nós, os Evangelhos e os demais escritos do chamado Novo Testamento da Bíblia registram esses testemunhos. Por que eles teriam menor credibilidade do que os que relatam a história dos imperadores romanos?
Em consequência da ressurreição de Jesus, a fé cristã diz que também nós, se o seguirmos, ressuscitaremos um dia para uma vida em plenitude no reino de Deus. O Concílio Vaticano 2º, baseado no ensinamento bimilenar da Igreja Católica, ensina que não somente os seres humanos ressuscitarão, mas também tudo o que a história humana tiver produzido de bom, as obras do amor autêntico -tudo será preservado, iluminado e transfigurado no reino definitivo de Deus, no final dos tempos.
Assim a morte não será o destino último de todas as coisas. Ao contrário, a última palavra será da vida e não da morte, do amor e não do ódio, da liberdade e não da opressão, da paz e não da violência e da guerra, da justiça e não da injustiça, da honestidade e não da corrupção. Se assim é, então a história humana e a nossa vida individual têm um sentido real e positivo.
Na raiz da extraordinária verdade da ressurreição de Cristo está sua morte na cruz. Morte sofrida por amor. Jesus mesmo havia ensinado: "Ninguém tem maior amor do que aquele que dá sua vida pelos que ama" (Evangelho de João, 15,13). Amor extremo. Jesus morre para salvar a humanidade. Quem daria sua vida para salvar outros -inclusive outros que lhe dão as costas?
O exemplo de Cristo provocou e continua provocando mudanças profundas nas atitudes de milhões de pessoas. Dar sua vida em defesa dos outros, especialmente dos mais sofridos e pobres. Esse exemplo, vivo e radical, de Cristo leva a igreja à prática da caridade desinteressada, da misericórdia e da solidariedade.
No Brasil, neste ano, na sua Campanha da Fraternidade, a igreja quis exercer a solidariedade para com os desempregados. Não se tratou tão-somente de discutir o assunto em abstrato, mas de promover uma solidariedade concreta, procurando soluções tanto estruturais como emergenciais. Nos bairros de nossas periferias urbanas pobres, as paróquias foram estimuladas a empenhar-se nesse objetivo de encontrar também apoios emergenciais para os desempregados mais desvalidos.
De fato, a Igreja Católica está presente em todo o território nacional. Toda a superfície do nosso país está subdividida em paróquias. Em todas elas, durante os 40 dias da Quaresma, de norte a sul, de leste a oeste, o desemprego foi assunto de estudos, reflexões, debates, propostas, denúncias. Isso levou também a sociedade, como um todo, a ocupar-se mais atentamente da matéria, em especial nas Câmaras dos municípios, nos Legislativos dos Estados e no Congresso, bem como nas associações de classe, nas universidades e em tantos outros níveis e instituições, muito especialmente nos grandes meios de comunicação social. Assim, a campanha teve grande força multiplicadora.
É urgente continuar essa luta contra o desemprego que assola o país e o mundo. A igreja quer dar sua contribuição, sobretudo por sua doutrina social, que defende o direito de todos ao trabalho e o primado da pessoa humana no mundo do trabalho e da economia.
Assim, a Páscoa de Cristo, sua morte e sua ressurreição oferecem uma base sólida para esperanças renovadas. Se a vida vence a morte, então é possível vencer o mal, as injustiças, a violência, a pobreza, o desemprego. O Brasil, em crise e empobrecido, precisa unir todas as suas forças sadias, democráticas e responsáveis. As reformas urgentes, no campo político, econômico e social, carecem do apoio eficaz de todos, acima dos interesses individuais ou de partidos e corporações. Há luzes esperançosas aparecendo no caminho, mas há muito a ser consolidado.


D. Cláudio Hummes, 64, é arcebispo de São Paulo. Foi arcebispo de Fortaleza (CE) e bispo de Santo André (SP).



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