São Paulo, Sexta-feira, 04 de Junho de 1999
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Existe política para o cinema?


Queremos condições permanentes para que o cinema gere renda e emprego, com parcerias viabilizando produções


JOSÉ ÁLVARO MOISÉS

É certa a afirmação de críticos do governo de que falta uma política para o cinema brasileiro? A bem-sucedida experiência de "Orfeu", de Cacá Diegues, pode ajudar-nos a responder. O filme foi visto por mais de 900 mil espectadores; é um êxito espetacular de público, que, como "Central do Brasil", mostra um cinema com que os brasileiros se identificam. "Um Copo de Cólera", de Aluizio Abranches, também vai bem; e "Fé", de Ricardo Dias, documentário sensível e cuidadoso, foi ovacionado em recente festival.
Há muito o cinema brasileiro convoca o espectador a se reconhecer nas imagens e nas reflexões sobre o que somos e o que queremos ser como nação. Mas isso não depende só da qualidade dos artistas; está condicionado pelo contexto econômico, político e institucional e por mudanças inesperadas, que, feitas sob impulso destrutivo, tornam difícil e cruel a reconstrução do que foi demolido. É o caso do cinema brasileiro no início da década. Há cerca de 20 anos, ele ocupava mais de 30% das salas de exibição do país; a produção foi reduzida a zero ante a fúria predatória de Collor. A ocupação de salas caiu para menos de 1%, e o mercado consolidou o monopólio de filmes americanos, agravando o desequilíbrio da balança de pagamentos, descapitalizando o setor e exportando empregos justamente quando a globalização agravava o desemprego. O domínio do modelo cultural único comprometeu o indispensável pluralismo cultural.
Com o prêmio Resgate e as reformas deste governo nas leis de incentivo à cultura, a situação começou a mudar. Em 1996, o Ministério da Cultura elevou de 1% para 3% o limite do imposto que as empresas aplicam no audiovisual. Estimulou a criação de parcerias entre os setores privado e público para financiar a retomada do cinema e quis transformá-las em atividade permanente, embora fosse evidente que isso, por si só, era insuficiente para criar uma sólida economia cinematográfica.
De 1995 a 1998, foram investidos R$ 280 milhões em atividades audiovisuais, bem mais que os US$ 12 milhões/ano da Embrafilme. Foram concluídos 73 filmes no período; há outros 48 lançados ou em lançamento, relegando ao passado o quadro de 1992, quando produzimos só dois. Os filmes dessa retomada foram vistos por quase 10 milhões de pessoas. Quase todos foram realizados com recursos das leis do Audiovisual e Rouanet; quatro deles foram indicados para disputar o Oscar. Por que tanta reclamação? Esgotaram-se as condições para produzir?
O diagnóstico deveria começar pelo seguinte: 1) em 1998, ano atípico, as captações reduziram-se a dois terços das de 1997; 2) diferentemente da expectativa dos investidores, a produção de muitos filmes alongou-se excessivamente, sugerindo que investir em cinema só traz retorno a longo prazo; 3) o orçamento médio dos filmes brasileiros cresceu, e a competição por patrocínio ficou mais difícil; 4) o governo autorizou a captação de recursos de um número excessivo de projetos, pulverizando o mercado; 5) muitos projetos subestimaram sua comercialização, não incluindo nos orçamentos custos de copiagem, divulgação e mídia.
Tudo isso está sendo atacado pelo governo. Há novas regras de aprovação de projetos, com critérios mais rigorosos, controle mais estrito do uso de recursos públicos e a proibição (há muito solicitada à CVM) de que a recompra de certificados audiovisuais ocorra antes de o filme ser concluído. Sobre a cobrança de taxas e contribuições de atividades audiovisuais, meio de financiar o setor com recursos dele mesmo, estamos pedindo o apoio do Ministério da Justiça, do BC, da Receita e do Ministério Público para coibir os abusos.
Mais importante, contudo, é assegurar que a produção cinematográfica continue a crescer. O governo quer que o setor privado volte a apoiá-la e está fazendo sua parte. Quer introduzir no atual sistema de financiamento uma nova relação Estado-cinema. Preparou o programa Mais Cinema 1999-2000: linhas de financiamento para produção, comercialização e exibição, com recursos do BB, do BNDES, do Sebrae e do Ministério da Cultura. São R$ 80 milhões para apoio a projetos inconclusos ou novos. O dinheiro fará produtores, distribuidores e exibidores cooperarem para captar e atrair investimentos.
Queremos condições permanentes para que o cinema gere renda e emprego, com o regime de parceria viabilizando produções, co-produções e joint ventures. Ou seja: racionalizar o uso de recursos escassos e ampliar o acesso da população à sua própria cultura. A experiência de "Orfeu" e as co-produções com a Warner e a Globo Filmes são excelentes exemplos, que mostram a política do governo para o setor.


José Álvaro Moisés, 53, é secretário nacional para o Desenvolvimento do Audiovisual do Ministério da Cultura, professor associado de ciência política da USP e autor de "Os Brasileiros e a Democracia" (Ática, 1995).



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