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ARIANO SUASSUNA
Uma quase-despedida
Na década de 80, já velho, o Cego Oliveira, músico e poeta popular do sertão cearense, em depoimento prestado ao cineasta Rosemberg Cariry, declarou: "Uma vez, na
hora de acabar o toque, cantei uma
despedida tão bonita que uma mulher
disse: "Faz pena um homem desse ter
que morrer um dia!'".
De minha parte, não sei tocar rabeca, não mereço comentário tão belo e
comovente nem esta quase-despedida
que estou escrevendo aqui é um momento dramático do jornal ou da minha vida. Na verdade, estamos apenas
transferindo o local e a data da minha
coluna: vou passar a escrever na Ilustrada, toda segunda-feira, em novo
formato e numa linha, digamos assim, mais literária.
De qualquer modo, é mais de um
ano escrevendo aqui; e, na minha idade, um ano é muito tempo. Por isso,
não quis sair sem uma palavra de despedida a meus leitores; principalmente porque, velho como o Cego Oliveira, cada vez mais a literatura se transforma para mim na rabeca que dá
tom ao toque da minha vida.
Por outro lado, como escritor que
sou, gosto de personalizar meus sentimentos de afetividade; e, para encarnar todos os meus possíveis leitores,
escolho hoje, aqui, uma moça de
Campinas chamada Cida Sepúlveda.
Cida, que, em fevereiro deste ano, me
escreveu uma carta na qual dizia, com
belas palavras que me tocaram: "Sou
uma poetisa anônima, casual, trágica,
inconsequente, fruto e produto do casamento entre a urbanidade e a melancolia dos pastos antigos". Cida,
que, mais recentemente, me mandou
outra carta em que, comentando meu
artigo sobre a criação de cabras no Rio
Grande do Norte, afirmava: "Fui criada com leite de cabra. Meus pais eram
pobres, mas tínhamos uma cabrinha
no quintal; eu mesma, menina, algumas vezes tirei leite dela. E como são
dóceis esses animais!".
Quero, então, dizer a Cida Sepúlveda que, em ambos os casos, vi que entre mim e ela existe uma grande identificação. Sou relativamente conhecido como romancista e mais como
dramaturgo; como poeta sou "anônimo, casual, trágico, inconsequente" e
também "fruto e produto do casamento entre a urbanidade e a melancolia de pastos antigos"; pastos esses
que, no meu caso, eram povoados de
belas cabras agrestes, esquivas, quase
selvagens e que pareciam pequenos
antílopes, extraviados das savanas da
África, das serras do Líbano ou das
mesetas da Península Ibérica nos tabuleiros e carrascais do sertão nordestino.
Na última carta que me escreveu,
Cida Sepúlveda sugere que eu me valha de "um endereço eletrônico" por
meio do qual meus leitores possam
me escrever com mais facilidade. Por
acaso, recentemente houve, no Recife,
um congresso de jornalistas. No dia
em que a ele compareci, Matinas Suzuki, ouvindo-me falar de minhas
desventuras no mundo dos computadores, generosamente se prontificou
a me dar um daqueles endereços. E
vou pedir a Alexandre Nóbrega
-que é a pessoa que resolve tais assuntos para mim- que entre em
contato com Suzuki, a fim de que eu,
absolutamente incapaz de fazer isso
sozinho, atenda à solicitação de Cida
Sepúlveda. Até segunda, na Ilustrada.
Ariano Suassuna escreve às terças-feiras nesta
coluna até hoje. A partir da próxima semana, passa a escrever às segundas-feiras, na Ilustrada.
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