São Paulo, quarta-feira, 04 de julho de 2001

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Um golpe no acionista minoritário


[A Lei das S.A.] optou pela defesa do controlador, em vez de definir o sensato e óbvio: garantir os direitos do acionista minoritário


ABRAM SZAJMAN

"O pior cego é o que não quer ver". Ao longo da história, a onipresente sabedoria popular sempre estigmatizou com essa sentença palavras e ações de cidadãos e governantes que erraram e persistiram no erro, embora tivessem à sua disposição, escancaradas diante de seus olhos como um óbvio chamado à razão, todas as informações que lhes permitiriam acertar.
O tradicional ditado popular poderia ser aplicado com propriedade à aprovação da nova Lei das Sociedades Anônimas no plenário da Câmara, no fim de março. Na ocasião, escapou à análise e à reflexão dos deputados -como é normal com matérias abertas a várias interpretações- a grande oportunidade que se apresentava para deflagrar um irreversível e salutar processo de capitalização da empresa brasileira.
Vivemos um processo de desnacionalização da descapitalizada empresa brasileira já há cinco anos-de maneira mais acentuada nos dois últimos, pois o choque cambial jogou o preço da empresa nacional, quando aferido em dólar, na "bacia das almas". Um mercado de capitais fortalecido pela participação de milhões de acionistas de todas as classes sociais e respaldado por uma legislação que garantisse os direitos deles poderia interromper o ciclo, marcar o início da reversão da desnacionalização pela capitalização das empresas. Era o que se esperava da nova lei.
Mas, como "o pior cego é o que não quer ver", fomos brindados com uma lei que ainda guarda distância do que poderíamos chamar de legislação consequente para a expansão e o fortalecimento do mercado acionário. Há méritos no texto, não há dúvidas. Principalmente quando devolve aos minoritários o direito de recesso -houvera aí um erro cometido em 1997, na Lei Kandir, que, a pretexto de favorecer a desestatização, feriu direitos dos pequenos acionistas, abalou a credibilidade do mercado acionário e afugentou capitais.
Optou-se, naquela sessão legislativa, pela defesa do controlador, em vez de definir o sensato e óbvio: garantir os direitos do acionista minoritário, pois é ele -aqui ou em qualquer outra paragem- que, com sua poupança, cria, expande e fortalece o mercado de capitais. Isso poderia ter sido feito ainda na Comissão de Finanças e Tributação, bastando que o relator, o deputado Antônio Kandir (PSDB-SP), tomasse o partido do minoritário, ainda que essa atitude não refletisse, naquele momento, o interesse das estatais. A opção feita permitirá que, ainda por um bom tempo, o controle acionário seja exercido pelo acionista que detiver apenas 17% do capital de uma empresa.
Mesmo quando essa proporção aumentar para 50%, como prevê a lei para as empresas que vierem a ser constituídas após a sua promulgação, o acionista minoritário continuará discriminado, pois faltou coragem aos legisladores para instituir como único título de participação societária a ação ordinária nominativa, garantia de voto a todos os acionistas. Não param aí as artimanhas legais que beneficiam o controlador em prejuízo do minoritário. Este não recebe, como o outro, o valor de mercado por suas ações quando da venda da empresa. A legislação também não lhe dá garantias expressas de que os dividendos pagos serão os adequados. Mais grave: não está claro qual seria o valor da oferta pública que o controlador deveria fazer ao minoritário se decidido o fechamento da empresa. Assento nos conselhos de administração e fiscal? Ora, é muita petulância do pequeno acionista exigir tal honraria, destinada, ao longo dos anos, a nobres cabeças unidas, por sangue ou interesses, ao clã controlador. No futuro, quem sabe.
No que diz respeito à CVM (Comissão de Valores Mobiliários), os legisladores acertaram, reconhecendo como válidas as antigas aspirações dos investidores quanto aos objetivos da entidade.
Transformada em autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, mas com autonomia -inclusive patrimonial e financeira-, a CVM terá condições de exercer o papel que deveria estar exercendo desde o momento de sua criação: o de guardiã do mercado, fiscalizando e agindo preventivamente, e não apenas apagando incêndios. Esses acertos pontuais, entretanto, não bastam.
É preciso que toda a legislação esteja voltada para a defesa intransigente dos direitos dos minoritários e para a transparência nas ações dos controladores -pressupostos fundamentais para a construção de um mercado de capitais pujante, formado pela poupança de todos os estratos de renda e pela confiança dos cidadãos no futuro de seu país.
Uma vez perdida a oportunidade na Câmara, que o Senado tenha o descortino de fazer as correções necessárias, por mais contundentes que possam parecer, pois só assim transformará a lei no caminho seguro que levará à capitalização da empresa nacional.


Abram Szajman, 61, empresário, é presidente da Federação e do Centro do Comércio do Estado de São Paulo e vice-presidente da Confederação Nacional do Comércio.



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