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São Paulo, segunda-feira, 04 de agosto de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

No outro lado da praça

RIO DE JANEIRO - Ao saber que o Itamaraty cancelou a viagem de Lula aos países africanos, a pergunta que se pode fazer é maldosa, mas não deixa de ter a sua oportunidade: a visita seria sustada se fosse aos Estados Unidos, ao Canadá, Japão, Itália ou França? Somente uma crise muito séria, uma crise institucional faria o presidente desistir de enfrentar o protocolo oficial que ele tanto aprecia.
Para falar a verdade, nem chega a haver uma crise específica na vida nacional. Há desentendimentos profundos sobre as reformas, a recorrente reivindicação dos sem-terra e sem-teto, o desemprego, heranças que o próprio Lula deixou e que o PT semeou durante anos. Tampouco o problema da violência é novo. Pelo contrário, é endêmico, nada tem de epidêmico.
Pessoalmente, acho que Lula se sai muito bem quando viaja, sua bastante presença dá um bom recado à opinião pública mundial, destaca o Brasil como um país diferente dos outros, no bem e no mal -e a eleição de Lula, em tese, foi um bem, do qual podemos nos orgulhar.
O argumento de que o presidente da República é necessário para pressionar os congressistas depõe ao mesmo tempo contra o Executivo e o Legislativo. Ou o Executivo sabe o que está fazendo, propondo o melhor para o país, ou duvida de si mesmo e fica em "stand by" para usar caneta e "Diário Oficial" a fim de convencer os recalcitrantes.
Quanto ao Legislativo, valoriza o cacife da barganha. E quem bate o martelo nessas questões não pode estar na África, mas ali pertinho, no outro lado da praça.
Um chefe de Estado, quando cancela uma viagem oficial, deveria invocar outros pretextos, pessoais ou políticos. As visitas presidenciais custam dinheiro ao país visitado e ao país visitante. E fica no ar a questão: até que ponto a África não foi mais uma vez esnobada?


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