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CARLOS HEITOR CONY
No outro lado da praça
RIO DE JANEIRO - Ao saber que o Itamaraty cancelou a viagem de Lula
aos países africanos, a pergunta que
se pode fazer é maldosa, mas não deixa de ter a sua oportunidade: a visita
seria sustada se fosse aos Estados
Unidos, ao Canadá, Japão, Itália ou
França? Somente uma crise muito séria, uma crise institucional faria o
presidente desistir de enfrentar o protocolo oficial que ele tanto aprecia.
Para falar a verdade, nem chega a
haver uma crise específica na vida
nacional. Há desentendimentos profundos sobre as reformas, a recorrente reivindicação dos sem-terra e sem-teto, o desemprego, heranças que o
próprio Lula deixou e que o PT semeou durante anos. Tampouco o
problema da violência é novo. Pelo
contrário, é endêmico, nada tem de
epidêmico.
Pessoalmente, acho que Lula se sai
muito bem quando viaja, sua bastante presença dá um bom recado à
opinião pública mundial, destaca o
Brasil como um país diferente dos outros, no bem e no mal -e a eleição de
Lula, em tese, foi um bem, do qual
podemos nos orgulhar.
O argumento de que o presidente
da República é necessário para pressionar os congressistas depõe ao mesmo tempo contra o Executivo e o Legislativo. Ou o Executivo sabe o que
está fazendo, propondo o melhor para o país, ou duvida de si mesmo e fica em "stand by" para usar caneta e
"Diário Oficial" a fim de convencer
os recalcitrantes.
Quanto ao Legislativo, valoriza o
cacife da barganha. E quem bate o
martelo nessas questões não pode estar na África, mas ali pertinho, no
outro lado da praça.
Um chefe de Estado, quando cancela uma viagem oficial, deveria invocar outros pretextos, pessoais ou políticos. As visitas presidenciais custam
dinheiro ao país visitado e ao país visitante. E fica no ar a questão: até que
ponto a África não foi mais uma vez
esnobada?
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