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São Paulo, segunda-feira, 04 de agosto de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Missão do advogado

CARLOS ERGAS

A missão do advogado é parte integrante da Justiça. É seu papel e dever defender a aplicação das normas legais e constitucionais, a fim de manter o Estado democrático de Direito. Este é um preceito definido pela Constituição Federal em vigor. A realidade atual, porém, tem se mostrado bastante distinta da norma constitucional. E, infelizmente, a atual inércia da Ordem dos Advogados do Brasil tem contribuído para essa descaracterização.
O advogado tem sido cada vez mais afastado das decisões da Justiça, por absoluta omissão ou posturas atípicas em relação ao processo democrático -e o desempenho da OAB, marcado pela defesa desse mesmo processo ao longo da história recente do país, tem contrariado sua respeitável trajetória. Há muito a repensar, rediscutir e atualizar para que se resgatem a missão do advogado e a tradição da própria OAB.
O impedimento de divergir de jurisprudências consolidadas e sumuladas pelos tribunais superiores e pelas decisões proferidas com base em ações diretas de inconstitucionalidade (Adin) e atos de declaração de constitucionalidade (ADC), representa um entrave à sustentação livre de novas teses jurídicas, mais compatíveis com a realidade da sociedade, devido ao seu efeito vinculante em todo o processo.
O direito não é estanque, está em contínua evolução. É preciso preservar e assegurar o direto do advogado de apresentar novos argumentos e bases de sustentação à defesa de suas teses, pois os debates jurídicos são imprescindíveis para aprimorar a aplicação das leis.
No entanto não há registro de iniciativas da ordem para corrigir esse hiato. Sua omissão também é patente na falta de atitudes que pressionem o Legislativo e o Judiciário a tomarem as medidas necessárias para que a uniformização de jurisprudência, prevista no Código de Processo Civil, entre em vigor.
Pequenas modificações no artigo 476 desse código, que poderiam ser feitas no prazo de um mês, permitiriam que a divergência entre as decisões de juízes de primeira instância e dos tribunais fosse rapidamente resolvida, dando uma imensa agilidade ao direito e, por conseguinte, restabelecendo a confiança dos cidadãos no Poder Judiciário.
Se aplicada, a uniformização de jurisprudência poderia solucionar a maioria dos casos das chamadas "ações de governo", aí incluídas as execuções fiscais, bem como aquelas devidas a desapropriação e indenizações em geral. Somadas, essas ações representam 60% do total em andamento no Estado de São Paulo e são responsáveis por um enorme congestionamento e entrave à realização da Justiça.
Efeito semelhante sobre a agilidade do Judiciário teria a imposição de publicação, na Imprensa Oficial, da ordem cronológica dos protocolos dos recursos em geral interpostos em segunda instância. Ganhos semelhantes em eficiência e rapidez poderiam ser obtidos com a simplificação da solução de todos os procedimentos amigáveis, que hoje dependem de ato judicial, em cartório.


Há normas que devem ser restabelecidas para tornar novamente ativa a participação do advogado nas decisões da Justiça


Aí se incluem separação de corpos consensual, separação judicial consensual, arrolamento e inventário, dissolução de sociedade e toda espécie de homologação judicial amigável. Um país rico em jurisprudência é pobre em direito. O poder de livre arbítrio do juiz jamais poderá ultrapassar ou modificar a lei. A OAB, no entanto, em nada tem contribuído para manter a qualidade de essencialidade do advogado à Justiça nem para agilizar seu cumprimento. Tampouco tem dado relevância a outra questão extremamente importante como é a luta pela independência total e absoluta desse Poder.
A atual dependência do Judiciário compromete a transparência e, muitas vezes, contraria a própria lei. Sua finalidade não é fazer "política", mas fazer e aplicar a Justiça, respeitando os princípios e normas legais, sobretudo os constitucionais. A dotação de orçamento próprio, além de garantir maior autonomia, evitaria a inusitada tentativa de greve ilegal dos juízes e promotores públicos.
Vale lembrar, a propósito, que, embora a OAB tenha prerrogativas legais e estatutárias para, quando necessário, interpelar os membros do Judiciário, nunca exerceu esse direito. E os que aí se postaram jamais o farão valer.
Em contrapartida a entidade aprovou e apoiou uma greve de sete meses do funcionalismo no Poder Judiciário, uma aberração contra a defesa do Estado democrático, da subsistência dos próprios advogados e, principalmente, em prejuízo daqueles que dependem de assistência judiciária. A rigor, a absoluta omissão da entidade na discussão da reforma, fiscalização e agilização do Judiciário, bem como seu livre-arbítrio, tem sido fator determinante da exclusão e desprestígio do advogado.
Registre-se ainda a falta de providências em relação à regulação do mercado de trabalho. Convivemos com a concorrência profissional desleal empreendida por ex-magistrados e promotores. Aposentados, eles têm voltado a exercer a advocacia e, embora economicamente ativos, não abdicam de suas aposentadorias. Tal situação é mais um entrave ao exercício da advocacia, cujo mercado já se encontra saturado em decorrência do crescimento indiscriminado de faculdades de direito em todo o país.
Há normas e prerrogativas que devem ser restabelecidas para tornar novamente ativa a participação do advogado nas decisões da Justiça, de modo a devolver-lhe a dignidade no exercício da profissão. Antes de tudo, é necessário ressuscitar a OAB e implementar a prática da correição parcial no Estado de São Paulo. O foro de conhecimento, a própria Ordem dos Advogados, de modo a evitar "perseguições" e garantir a independência profissional e a evitar protecionismos.
Precisamos resgatar nossa missão e o respeito que nossa profissão exige!


Carlos Alberto Ergas, 60, advogado, é pré-candidato à presidência da OAB-SP.


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