São Paulo, sábado, 04 de setembro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O projeto das PPP é adequado?

NÃO

Os riscos das Parcerias Público-Privadas

TASSO JEREISSATI

Reputo as Parcerias Público-Privadas como importante instrumento para a retomada do crescimento de forma sustentada, suprindo nossa necessidade de obras de infra-estrutura. O projeto, porém, tem inconsistências que deixam a porta aberta ao favorecimento e à corrupção. Se virar lei nesses termos, em vez de viabilizar, pode comprometer a eficácia das PPP.
As circunstâncias justificam as parcerias. A capacidade do Estado brasileiro para financiar obras de infra-estrutura e serviços à população é reduzida. Por outro lado, determinados serviços não atraem o empreendedor privado, pela baixa ou nenhuma rentabilidade. E a tarifa cobrada (como o bilhete do metrô, pedágio de uma estrada, frete ferroviário, taxa portuária, tarifa elétrica) não pode ser muito elevada, sob pena de se tornar inacessível à maioria da população ou desinteressante ao usuário. A PPP é uma forma de compatibilizar o preço módico (interesse público) com a rentabilidade (interesse privado) do serviço. Pelo contrato de parceria, o poder público assegura ao parceiro privado uma rentabilidade mínima, mediante complementação de sua receita tarifária. Se a tarifa que garantiria a rentabilidade do serviço for R$ 5 e o tomador do serviço só puder pagar R$ 2, por exemplo, o setor público complementará os R$ 3.
Todo o problema está em garantir o justo equilíbrio entre os interesses público e privado. Se o quadro jurídico for defeituoso, ou as parcerias acabarão não saindo, ou maus governantes e maus empresários se darão as mãos por baixo da mesa para concretizá-las à custa do interesse público.
Já há marcos regulatórios para a execução de obras e serviços públicos pela iniciativa privada. Para a execução simples de obra há a Lei de Licitações; para a execução de serviço público por conta e risco do setor privado, antecedida ou não de obra, há a Lei de Concessões. São instrumentos passíveis de aperfeiçoamento, por certo, mas que já se mostraram capazes de propiciar eficácia e transparência em contratações públicas. Se eles não são suficientes para atender às finalidades das PPP, não podemos simplesmente descartá-los.
Da forma que se encontra, porém, o projeto permite o uso das parcerias não como um instrumento adicional para quando as circunstâncias justificarem, mas como um atalho à disposição do mau governante e do mau empresário para escaparem, por sua exclusiva conveniência, dos rigores da Lei de Licitações e dos riscos inerentes ao regime de concessão de serviços públicos. Qual administrador público mal intencionado seguirá a Lei de Licitações se tiver a opção de contratar qualquer obra como uma PPP, mesmo dissociada de prestação de serviços, pelo processo muito mais frouxo previsto nesse projeto?
Também seria permitido ao empreendedor privado propor uma parceria, apresentar projeto e por ele ser indenizado se for outro o vencedor da licitação. Além do risco de criar uma verdadeira "indústria de projetos", isso retira do poder público aquilo que é sua atribuição precípua -formular políticas de desenvolvimento.
Permite ainda que não sejam observadas as limitações de garantias exigíveis do parceiro privado, previstas na legislação em geral. Significa dizer que não haverá critérios objetivos para fixar o montante ou valor das garantias, facilitando casuísmos e dirigismo nas concorrências.
O projeto também abre uma brecha na Lei de Responsabilidade Fiscal, ao não definir a forma de contabilização do comprometimento futuro da receita pública para remunerar o capital privado investido nas PPP. Esse comprometimento tem a mesma natureza de dívida pública. Contabilizá-lo como gasto corrente não evita a criação de "esqueletos". A solução talvez seja estabelecer um limite para o gasto futuro com contratos de PPP, acompanhado através de uma projeção mês a mês, como fração da receita atual.
Outra inconsistência é a possibilidade de que a participação privada nas PPP seja financiada com dinheiro público. Imagine que um empresário vá ao BNDES ou se associe a fundos de pensão patrocinados em parte ou totalmente pelo Estado e busque recursos para executar uma obra em regime de PPP, oferecendo como garantia os recebíveis decorrentes do próprio contrato de parceria. Nesse caso o setor público estaria nas duas pontas, fornecendo o capital e garantindo a rentabilidade do investimento, num arranjo bem típico do nosso velho capitalismo cartorial. É o capitalismo sem risco, para o qual muitos já advertem.
Quando o governo condiciona o crescimento da economia à instituição das PPP, cria falsas expectativas na sociedade. Há na agenda outras reformas fundamentais para o crescimento sustentado. As PPP podem ser um bom instrumento, desde que bem regulamentadas, sem açodamento, e bem implementadas, o que também vai demandar algum tempo. Não são, de modo nenhum, uma panacéia para as restrições fiscais, como o governo parece acreditar.


Tasso Jereissati, 55, administrador de empresas, é senador pelo PSDB do Ceará. Foi governador do Estado de 1987 a 91, 1995 a 98 e 1999 a 2002.


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