|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
O projeto das PPP é adequado?
NÃO
Os riscos das Parcerias Público-Privadas
TASSO JEREISSATI
Reputo as Parcerias Público-Privadas como importante instrumento para a retomada do crescimento
de forma sustentada, suprindo nossa
necessidade de obras de infra-estrutura.
O projeto, porém, tem inconsistências
que deixam a porta aberta ao favorecimento e à corrupção. Se virar lei nesses
termos, em vez de viabilizar, pode comprometer a eficácia das PPP.
As circunstâncias justificam as parcerias. A capacidade do Estado brasileiro
para financiar obras de infra-estrutura e
serviços à população é reduzida. Por outro lado, determinados serviços não
atraem o empreendedor privado, pela
baixa ou nenhuma rentabilidade. E a tarifa cobrada (como o bilhete do metrô,
pedágio de uma estrada, frete ferroviário, taxa portuária, tarifa elétrica) não
pode ser muito elevada, sob pena de se
tornar inacessível à maioria da população ou desinteressante ao usuário. A
PPP é uma forma de compatibilizar o
preço módico (interesse público) com a
rentabilidade (interesse privado) do
serviço. Pelo contrato de parceria, o poder público assegura ao parceiro privado uma rentabilidade mínima, mediante complementação de sua receita tarifária. Se a tarifa que garantiria a rentabilidade do serviço for R$ 5 e o tomador
do serviço só puder pagar R$ 2, por
exemplo, o setor público complementará os R$ 3.
Todo o problema está em garantir o
justo equilíbrio entre os interesses público e privado. Se o quadro jurídico for
defeituoso, ou as parcerias acabarão
não saindo, ou maus governantes e
maus empresários se darão as mãos por
baixo da mesa para concretizá-las à custa do interesse público.
Já há marcos regulatórios para a execução de obras e serviços públicos pela
iniciativa privada. Para a execução simples de obra há a Lei de Licitações; para
a execução de serviço público por conta
e risco do setor privado, antecedida ou
não de obra, há a Lei de Concessões. São
instrumentos passíveis de aperfeiçoamento, por certo, mas que já se mostraram capazes de propiciar eficácia e
transparência em contratações públicas. Se eles não são suficientes para
atender às finalidades das PPP, não podemos simplesmente descartá-los.
Da forma que se encontra, porém, o
projeto permite o uso das parcerias não
como um instrumento adicional para
quando as circunstâncias justificarem,
mas como um atalho à disposição do
mau governante e do mau empresário
para escaparem, por sua exclusiva conveniência, dos rigores da Lei de Licitações e dos riscos inerentes ao regime de
concessão de serviços públicos. Qual
administrador público mal intencionado seguirá a Lei de Licitações se tiver a
opção de contratar qualquer obra como
uma PPP, mesmo dissociada de prestação de serviços, pelo processo muito
mais frouxo previsto nesse projeto?
Também seria permitido ao empreendedor privado propor uma parceria, apresentar projeto e por ele ser indenizado se for outro o vencedor da licitação. Além do risco de criar uma verdadeira "indústria de projetos", isso retira
do poder público aquilo que é sua atribuição precípua -formular políticas
de desenvolvimento.
Permite ainda que não sejam observadas as limitações de garantias exigíveis
do parceiro privado, previstas na legislação em geral. Significa dizer que não
haverá critérios objetivos para fixar o
montante ou valor das garantias, facilitando casuísmos e dirigismo nas concorrências.
O projeto também abre uma brecha
na Lei de Responsabilidade Fiscal, ao
não definir a forma de contabilização
do comprometimento futuro da receita
pública para remunerar o capital privado investido nas PPP. Esse comprometimento tem a mesma natureza de dívida pública. Contabilizá-lo como gasto
corrente não evita a criação de "esqueletos". A solução talvez seja estabelecer
um limite para o gasto futuro com contratos de PPP, acompanhado através de
uma projeção mês a mês, como fração
da receita atual.
Outra inconsistência é a possibilidade
de que a participação privada nas PPP
seja financiada com dinheiro público.
Imagine que um empresário vá ao
BNDES ou se associe a fundos de pensão patrocinados em parte ou totalmente pelo Estado e busque recursos para
executar uma obra em regime de PPP,
oferecendo como garantia os recebíveis
decorrentes do próprio contrato de parceria. Nesse caso o setor público estaria
nas duas pontas, fornecendo o capital e
garantindo a rentabilidade do investimento, num arranjo bem típico do nosso velho capitalismo cartorial. É o capitalismo sem risco, para o qual muitos já
advertem.
Quando o governo condiciona o crescimento da economia à instituição das
PPP, cria falsas expectativas na sociedade. Há na agenda outras reformas fundamentais para o crescimento sustentado. As PPP podem ser um bom instrumento, desde que bem regulamentadas,
sem açodamento, e bem implementadas, o que também vai demandar algum
tempo. Não são, de modo nenhum,
uma panacéia para as restrições fiscais,
como o governo parece acreditar.
Tasso Jereissati, 55, administrador de empresas, é senador pelo PSDB do Ceará. Foi governador do Estado de 1987 a 91, 1995 a 98 e 1999 a
2002.
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Ideli Salvatti: Uma parceria para crescer mais
Índice
|