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Sopa de pedra
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
Brasília - Um clássico da literatura
infantil européia é a história de três
soldados famintos que enganam uma
aldeia de camponeses, onde ninguém
queria lhes dar comida, convencendo-a de que fariam uma sopa deliciosa só
com água e pedra.
Extasiados com a possibilidade, os
agricultores acabam dando aos militares primeiro sal, depois outros temperos, legumes, carne, que lhes eram
pedidos apenas para fazer com que a
sopa de pedra ficasse mais gostosa.
No terrível cotidiano atual de Angola, onde livros são coisa que a maioria
das crianças nem sabe que existem, a
lenda da sopa de pedra é parte da realidade de centenas de milhares de pessoas; seu final nunca é feliz.
Relatos de missionários religiosos
em cidades sitiadas no país mostram
que água com sal tem sido o único alimento de refugiados há semanas.
Os angolanos são vítimas de uma
política colonial desastrada, do maniqueísmo selvagem da Guerra Fria, do
egoísmo criminoso de suas elites corruptas. País com raro potencial de
prosperidade no mundo, rico em diamantes, petróleo, solos férteis, Angola
virou palco de uma das maiores catástrofes humanitárias do século, como a
Folha mostrará em reportagens na
sua edição de amanhã.
Portugal, EUA, África do Sul, Cuba
e Rússia, co-responsáveis diretos pela
miséria angolana atual, têm obrigação moral e política de ajudar a repará-la. Alguns desses países não dispõem agora de recursos materiais para puxar Angola para fora do fosso.
Mas todos podem e têm o dever de se
empenhar politicamente para encontrar uma saída viável antes que a situação se deteriore ainda mais.
É esse também o caso do Brasil, que
nunca contribuiu para a desgraça de
Angola mas, por seus vínculos culturais e afetivos (e por ter se beneficiado
tanto do trabalho forçado dos antepassados dos atuais angolanos que
vieram para cá como escravos), deve
ajudar a buscar uma solução.
Salvar Angola, dar substância à sua
sopa de pedra, deveria ser uma bandeira para a diplomacia do Brasil.
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