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O carro a álcool é uma solução eficiente?
NÃO
Energia não é pipoca
WALTER BELIK
JOSÉ GRAZIANO DA SILVA
A discussão do futuro do carro a álcool envolve aspectos mais amplos,
que dizem respeito a toda a cadeia de
produção que tem como base a cana-de-açúcar. Por mais que se noticie, a
opinião pública ainda não atentou para a profundidade da crise vivida pela
agroindústria canavieira. Em seminário organizado pelo NEA/Unicamp
em 20/8, que reuniu setores interessados, ficaram claros alguns pontos.
Primeiro: apesar do preço deprimido do açúcar no mercado internacional, o produto brasileiro é extremamente competitivo. O nosso custo de
produção está no patamar de US$
130/tonelada, contra US$ 334/t dos
principais exportadores, sendo que o
preço internacional tem girado em
torno de US$ 180/t. Apesar disso, não
há perspectiva de que possamos aumentar significativamente nossas exportações, dadas as restrições de cotas
e tarifas que nos impõem países desenvolvidos -com os EUA à frente.
Já o álcool vive problemas ainda
mais sérios. Os leilões elevaram o preço de venda, mas o R$ 0,24/litro obtido pelo hidratado (combustível da
frota a álcool) é visivelmente insuficiente para cobrir os custos variáveis
da maior parte das destilarias. Com
um excedente de álcool de 1,8 bilhão
de litros, não há como escoar a produção sem reduzir a oferta de cana.
Diante desse impasse, algumas usinas
estão montando cartéis de comercialização autorizados pelo governo visando escoar o produto a preços remuneradores. Embora o governo paulista
tenha se comprometido a implantar
medidas de apoio ao Proálcool, os resultados deverão se fazer sentir somente no médio e longo prazo.
Segundo: os impactos regionais da
crise também já são visíveis em todo o
Brasil. Mais de 130 usinas já encerraram suas atividades desde o início da
crise. A maioria delas está no Nordeste, mas o Estado de São Paulo conta
com 18 entre as quebradas. Por trás
dessas usinas fechadas pode-se estimar uma legião de mais de 20 mil fornecedores de cana que estão deixando
de produzir. É possível observar dois
movimentos claros de mudança: a reconversão de áreas de cana para outras atividades, principalmente a fruticultura, em Campos (RJ) e no Nordeste, e a realocação de usinas em direção
ao Centro-Oeste, em busca de terras
mais baratas e mecanizáveis.
Terceiro: há a certeza de todos -de
trabalhadores a usineiros- de que o
emprego deverá se reduzir muito,
principalmente por causa da mecanização do plantio e da colheita. Os dados apresentados no seminário pela
Fundação Seade mostram que o emprego na agroindústria canavieira gira
hoje em torno de 90 mil trabalhadores
só na parte industrial, além de outros
255 mil a 300 mil na parte agrícola. Esses números poderão cair à metade
nos próximos anos, acrescentando-se
cerca de 150 mil desempregados ao estoque já existente.
Quarto: todos concordam sobre a
necessidade premente de criar novos
mecanismos de coordenação setorial
para que se possa dispensar a tutela do
governo. A tentativa mais bem-sucedida de criação de pelo menos um fórum de discussão até o momento é a
da Consecana, conselho consultivo
que reúne as principais entidades de
fornecedores e usineiros.
Tentando traçar um panorama futuro, podemos dizer que parece inevitável que já nas próximas safras tenhamos um setor sucroalcooleiro muito
mais concentrado economicamente,
ao mesmo tempo que renovado em
termos de tecnologias e processos de
produção. Muitas regiões canavieiras
do Estado -como a de Piracicaba-
deverão reduzir drasticamente sua
produção, enquanto outras, como o
Centro-Oeste, deverão aumentá-la.
Devido aos problemas ambientais e
ao alto custo de produção em determinadas regiões, empresários já se mostram dispostos a mudar as suas usinas
para fora do Estado de São Paulo. Isso
se deve, em grande parte, à necessidade de mecanizar o corte. No entanto,
essa mesma mecanização tem um alto
potencial desempregador, e isso é
uma ameaça aos trabalhadores. Ao
mesmo tempo, a cana queimada está
sendo monitorada pelas entidades
ambientalistas, pois, mesmo em regiões de alta produtividade e competência empresarial, a cultura da cana-de-açúcar agride o meio ambiente.
Para o consumidor de carro a álcool,
pouca coisa deverá mudar. As montadoras, com seus "carros mundiais",
perderam o interesse num motor brasileiro diferenciado e só produzirão
carros a álcool se tiverem vantagens
fiscais consideráveis para isso, coisa
que nenhum governo está disposto a
bancar a longo prazo. Mesmo assim,
os usineiros não querem dar nenhuma garantia de que o combustível álcool hidratado continuará a ser fornecido com regularidade independentemente dos preços da alternativa açúcar. É muito provável que o preço do
álcool alcance uma proporção próxima daquela praticada no início do
Proálcool (75% do preço da gasolina).
E, como foi dito em claro e bom som,
se o tal do mercado também melhorar, da parte do açúcar, os produtores
poderão voltar a produzir menos álcool, como ocorreu no final dos anos
80. Com isso, a tão propalada autogestão do setor deverá vigorar até a próxima crise, quando o governo será chamado a intervir novamente.
Na verdade, ninguém quer se responsabilizar pelo futuro do carro a álcool. Como foi dito por um dos conferencistas, energia não é pipoca para ficar ao sabor do poder de compradores
e vendedores... Afinal, o mercado do
carro a álcool está sendo socialmente
construído não apenas por quem produz álcool, mas também pelos que
cortam cana, pelos que respiram ar
poluído e por todos nós que pagamos
impostos. A questão fundamental é
que o Brasil precisa urgentemente de
uma política energética que equacione
não apenas o problema atual dos usineiros paulistas, mas também o dos
combustíveis derivados do petróleo e
do gás natural.
Walter Belik, 44, é professor do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e coordenador do NEA (Núcleo de Economia
Agrícola).
José Graziano da Silva, 49, é professor do Instituto
de Economia da Unicamp.
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