São Paulo, segunda-feira, 04 de novembro de 2002

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BORIS FAUSTO

Nem só tristeza

Olhando a história pessoal dos candidatos à Presidência e vice-presidência da República, impressiona a origem modesta -para usar um termo genérico- da grande maioria deles.
É óbvio que a constatação não se estende a toda a classe política nem significa que os canais de ascensão social estejam abertos, em condições de igualdade, na sociedade brasileira. Mas nem por isso podemos ignorar essas biografias, levando-as à conta de simples coincidência.
O caso mais impressionante é naturalmente o de Lula -fenômeno até há alguns anos impensável de ascensão da pobreza à Presidência da República. Mas, na sua radicalidade, a história de Lula tendeu a deixar em segundo plano outras histórias de escalada social e política. Seu companheiro de chapa -José Alencar- é um exemplo de "self made man", pois partiu de uma condição só um pouco melhor do que a de Lula para tornar-se um poderoso industrial do ramo têxtil.
Os adversários de Lula-Alencar no segundo turno estavam longe de ser pessoas de origem privilegiada. Ambos tinham em comum o fato de serem filhos de imigrantes italianos pobres, que, na imagem um tanto batida, vieram "fazer a América". Mas há mais: Paulo Pereira da Silva -vice de Ciro Gomes- foi operário como Lula, e Garotinho é proveniente da baixa classe média.
Vale a pena meditar sobre as formas de ascensão social, de experiências acumuladas, entre as quais se inclui a comunicação com o grande público, que permitiram a essas figuras políticas chegar aonde chegaram. Chama a atenção a variedade de seus caminhos. Serra representa o caso típico de uma carreira construída, inicialmente, nos bancos escolares e no movimento estudantil. Lula e Paulo Pereira da Silva realizaram sua socialização e a interação com a massa como dirigentes sindicais, numa demonstração de que, embora o sindicato operário tenha perdido relevância nos últimos anos, a experiência nele acumulada em passado recente possibilitou a formação de importantes lideranças.
Por outro lado, um canal de expressão bem diverso surge nos casos de Garotinho e de Ciro Gomes. O rádio foi a via pela qual ambos ganharam popularidade e aprenderam a se comunicar com públicos amplos, como a campanha eleitoral demonstrou - particularmente no caso do primeiro.
Essas histórias diversas, tendo um ponto de partida comum, guardadas as diferenças, são exemplos de êxito de imigrantes, de não poucos migrantes internos e de sindicalistas cujo raio de ação e de experiência foi possibilitado pela maturação do tão malsinado capitalismo industrial paulista.
Insisto em lembrar que o caso dessas figuras, hoje integrantes da elite política, não significa que os caminhos da ascensão social e da política estejam plenamente abertos no país. Mas significa que eles existem e ligam-se a uma variedade de formas de socialização só compatíveis com uma sociedade diversificada. De fato, há muitas razões para tristeza no Brasil, mas o Brasil está longe de ser só tristeza.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.

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