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CARLOS HEITOR CONY
Vasto mundo
RIO DE JANEIRO - Levei um susto: ia distraído pela avenida Atlântica e vi
o poeta Drummond sentado num
banco, olhando para o trânsito que,
para variar, dera um nó desgraçado.
O poeta estava bastante bronzeado,
ele, que nunca tomava muito sol. Só
então descobri que não era o vate,
mas uma estátua dele, ali colocada
para comemorar o primeiro centenário de seu nascimento.
De longe, pelo menos, a semelhança
é espantosa. Mas há alguma coisa de
errado com ela. A idéia parece que foi
copiada da estátua de Fernando Pessoa, em Lisboa, sentado na calçada
da "Brasileira", não muito longe dos
monumentos de Camões e de Eça.
Como mineiro, Drummond gostava do mar. Contudo, sua poesia nada
tem de marinha -como a de Pessoa.
Pelo contrário, ele é interiorano em
todos os sentidos, no geográfico e no
psicológico.
Mas, sempre que podia, ia ver o
mar, ficava naquela mesma posição
que a estátua eternizou, mas de frente para o mar, nunca voltado para as
pistas do trânsito.
No dia 1º de abril de 1964, sendo ele
meu vizinho no posto seis, telefonou-me para irmos à praia, ver o movimento de tropas que tomavam o forte
de Copacabana. Estava chuviscando,
ele prometeu levar um guarda-chuva
e foi apanhar-me na portaria do prédio em que eu morava.
Vimos realmente as confusas operações à entrada do forte -um oficial da Marinha chutando um operário que dera um "viva" a Brizola. Esse seria o gancho para a minha crônica do dia seguinte, no "Correio da
Manhã", onde Drummond e eu trabalhávamos.
Ele percebeu que eu ficara irritado
com a violência do militar. Levou-me
para um banco da calçada e convidou-me para sentar a seu lado.
"Mundo, mundo, vasto mundo, mais
vasto é o meu coração". Foi nesse verso dele que pensei, vendo o poeta
olhando o horizonte.
Ficou olhando o mar, de costas para a confusão cívico-militar em execução. Eu entendi a sua lição.
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