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OTAVIO FRIAS FILHO
O segredo da conversão
A conversão ideológica do PT
começou como manobra oportunista. Na campanha do ano passado,
foi noticiado mais de uma vez que Lula impunha ao partido, para concorrer, condições que lhe haviam sido negadas antes -a mais espantosa das
quais, na época, a de contratar o mesmo marqueteiro que conseguira adoçar a imagem eleitoral de Maluf.
Pela primeira vez, o candidato conseguia aval para uma campanha pragmática, capaz de conciliar três objetivos discordantes. Primeiro, manter a
multidão popular na esperança de que
"agora é Lula". Segundo, desarmar a
bomba-relógio da desconfiança dos
mercados. Terceiro, mostrar à classe
média que frequenta shoppings que
"agora é Lula, mas paz e amor".
O modelo foi a vitoriosa campanha
que levara Marta Suplicy à Prefeitura
de São Paulo. O segredo era amenizar
a imagem do partido, dissolver suas
estridências ideológicas numa bonomia de anúncio de margarina, apelar
aos valores da "moralidade", que é
sempre neutra. Duda Mendonça entrou com a "cordialidade" brasileira
de novo reciclada.
Um ano depois da vitória estrondosa -e quanta alucinação sebastianista
se disse então sobre a saga do operário-presidente...-, a guinada eleitoreira veio para ficar. O partido da Ordem, aquele que governa toda sociedade, tem seduções irrecusáveis. E todo governo, exceto em situações revolucionárias, é mais conservador do
que sua própria campanha.
Pascal disse que para ter fé é preciso
se persignar, não o contrário. Hábitos
exteriores moldam a crença interior.
O que era tática, uma vez instalado o
grupo dirigente no governo, tornou-se estratégia. Mas não se trata apenas
de uma conveniência eleitoral que se
mostrou comodidade no poder. Pois
existia uma verdadeira conversão em
curso, mas disfarçada.
Nos fim dos anos 80 e começo dos
90, elegeram-se os primeiros prefeitos
e, depois, governadores do PT. Eles
perceberam na própria pele que o
programa do partido era uma inferno
de boas intenções. A elite petista mais
versada, reeducada em viagens internacionais e na convivência com tecnocratas tucanos, chegava à mesma conclusão.
Deveriam, uns e outros, ter enfrentado a questão abertamente, na democracia interna de que o partido tanto
se gaba, ao risco de converterem a longo prazo a maioria, perdendo, porém,
a liderança a curto prazo. Não quiseram arrostar esse risco. O partido tornou-se esquizofrênico, sem que um
dos lados percebesse que o outro mudara de opinião.
Estiveram todos dispostos a tolerar
qualquer concessão, com um piscar
maroto de olhos, enquanto acreditavam que era mero oportunismo eleitoral, necessário para vencer as eleições burguesas. Agora caiu a ficha de
que era bem mais do que isso, como
ficou exemplar no caso da senadora
Heloísa Helena, o pior tipo de mártir,
o desinformado.
Enquanto isso, o programa do partido envelheceu de tal maneira que basta mencionar o bispo "progressista"
(?) que chegou ao descalabro, digno
daquele antigo festival que assolava o
país, de propor uma campanha contra
o agronegócio -único dínamo na
economia atual, único setor capaz de
dar impulso às exportações e desatar o
nó do crescimento, este, sim, neste
ano, zero.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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