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São Paulo, quinta-feira, 04 de dezembro de 2003

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OTAVIO FRIAS FILHO

O segredo da conversão

A conversão ideológica do PT começou como manobra oportunista. Na campanha do ano passado, foi noticiado mais de uma vez que Lula impunha ao partido, para concorrer, condições que lhe haviam sido negadas antes -a mais espantosa das quais, na época, a de contratar o mesmo marqueteiro que conseguira adoçar a imagem eleitoral de Maluf.
Pela primeira vez, o candidato conseguia aval para uma campanha pragmática, capaz de conciliar três objetivos discordantes. Primeiro, manter a multidão popular na esperança de que "agora é Lula". Segundo, desarmar a bomba-relógio da desconfiança dos mercados. Terceiro, mostrar à classe média que frequenta shoppings que "agora é Lula, mas paz e amor".
O modelo foi a vitoriosa campanha que levara Marta Suplicy à Prefeitura de São Paulo. O segredo era amenizar a imagem do partido, dissolver suas estridências ideológicas numa bonomia de anúncio de margarina, apelar aos valores da "moralidade", que é sempre neutra. Duda Mendonça entrou com a "cordialidade" brasileira de novo reciclada.
Um ano depois da vitória estrondosa -e quanta alucinação sebastianista se disse então sobre a saga do operário-presidente...-, a guinada eleitoreira veio para ficar. O partido da Ordem, aquele que governa toda sociedade, tem seduções irrecusáveis. E todo governo, exceto em situações revolucionárias, é mais conservador do que sua própria campanha.
Pascal disse que para ter fé é preciso se persignar, não o contrário. Hábitos exteriores moldam a crença interior. O que era tática, uma vez instalado o grupo dirigente no governo, tornou-se estratégia. Mas não se trata apenas de uma conveniência eleitoral que se mostrou comodidade no poder. Pois existia uma verdadeira conversão em curso, mas disfarçada.
Nos fim dos anos 80 e começo dos 90, elegeram-se os primeiros prefeitos e, depois, governadores do PT. Eles perceberam na própria pele que o programa do partido era uma inferno de boas intenções. A elite petista mais versada, reeducada em viagens internacionais e na convivência com tecnocratas tucanos, chegava à mesma conclusão.
Deveriam, uns e outros, ter enfrentado a questão abertamente, na democracia interna de que o partido tanto se gaba, ao risco de converterem a longo prazo a maioria, perdendo, porém, a liderança a curto prazo. Não quiseram arrostar esse risco. O partido tornou-se esquizofrênico, sem que um dos lados percebesse que o outro mudara de opinião.
Estiveram todos dispostos a tolerar qualquer concessão, com um piscar maroto de olhos, enquanto acreditavam que era mero oportunismo eleitoral, necessário para vencer as eleições burguesas. Agora caiu a ficha de que era bem mais do que isso, como ficou exemplar no caso da senadora Heloísa Helena, o pior tipo de mártir, o desinformado.
Enquanto isso, o programa do partido envelheceu de tal maneira que basta mencionar o bispo "progressista" (?) que chegou ao descalabro, digno daquele antigo festival que assolava o país, de propor uma campanha contra o agronegócio -único dínamo na economia atual, único setor capaz de dar impulso às exportações e desatar o nó do crescimento, este, sim, neste ano, zero.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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