São Paulo, quinta-feira, 04 de dezembro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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A crise já aponta o caminho do mundo

ROBERTO JEFFERSON


O mundo se encaminha para economias com controle estatal muito mais sólido. O futuro é a social-democracia. E será melhor

A QUEM viu o noticiário sobre a eleição de Barack Obama não terá escapado que seu opositor John McCain o acusou de querer distribuir a renda e de ser favorável à intervenção do Estado na economia.
Passada a campanha eleitoral, a crise, cada vez mais grave, não espera pela posse do novo presidente dos EUA, fazendo com que as indústrias e os bancos mais beneficiados pelas políticas neoliberais adotadas ao longo das últimas décadas dependam do socorro do Tesouro para sobreviver.
A ação do Estado deixou de ser um anátema. Nem por isso a tese da estatização total como transição para um coletivismo utópico se atreveu a se apresentar como alternativa. Por que será?
Aqueles que acham que o mundo começou em 2002 ignoram que, há mais de 30 anos, o presidente americano, Richard Nixon (1913-1994), antes de atingir um nível de impopularidade impensável até que surgisse George W. Bush, afirmou um dia que "agora somos todos keynesianos".
Com isso, queria dizer que, naquela época, quando a expansão do período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial chegava ao fim, tentar evitar a crise por meio da intervenção do Estado era a solução. O Muro de Berlim então não tinha vindo abaixo; na China, a Coca-Cola era execrada como eflúvio da decadência burguesa e Fidel, com voz firme, fazia discursos intermináveis. Naqueles tempos, muitos ainda podiam brincar de índio e perguntar ao então inquilino da Casa Branca: "Nós quem, cara pálida?"
A verdade é que o futuro do mundo pelo menos se situa no terreno demarcado por dois muros: o de Berlim e o da rua nova-iorquina (Wall Street). O primeiro sucumbiu aos anseios de democracia política e da economia de mercado. O segundo desapareceu fisicamente no final do século 17, mas sobreviveu se transformando desde então, revelando que o papel -e, mais recentemente, o mundo virtual das transações eletrônicas- pode ser mais resistente que o concreto.
O capitalismo do qual Wall Street é ícone já passou por crises e sobreviveu porque tinha por fundamento a democracia política a legitimá-lo e a economia de mercado a viabilizá-lo.
A crise por que passamos agora está longe do fundo do poço. Mas, desse poço, o mundo só sairá se abandonar mais essa tentativa de viver ao sabor do liberalismo radical.
A crise mostra que mercado livre e desregulado é uma utopia perversa e inviável. Não é possível sem recurso à tirania. Operações de socorro como as que estão sendo feitas só são possíveis se aceitas pela sociedade e acompanhadas de medidas que atenuem as penas que a recessão impõe ao cidadão e de perspectivas reais de uma distribuição mais eqüanime dos benefícios do progresso.
Ou alguém acredita que milhões de norte-americanos assistirão impassíveis ao seu governo gastar US$ 300 bilhões para salvar o Citigroup, cujo valor de mercado está em US$ 20 bilhões, e repetir essa ação bilionária com outras empresas enquanto milhões de famílias perdem seus empregos e suas casas?
O "socialismo real" estabelecido por décadas no Leste Europeu não é uma alternativa. O modelo chinês de um comunismo-capitalismo, em que as relações de trabalho estão mais próximas daquelas do capitalismo selvagem do século 19 do que das vigentes em qualquer país desenvolvido ou em desenvolvimento, não é sustentável se não avançar no sentido de uma ampliação do bem-estar social e de uma abertura política.
Mesmo o norte-americano médio, que pensava que, quem quebrou, quebrou, agora começa a entender que deve haver uma economia de mercado, mas com intervenção do Estado, não mais o liberalismo puro.
No Brasil, não teremos problema com a nova ordem. O capitalismo é o de Estado, as grandes empresas nacionais gravitam em torno do governo. Não somos nem um país socialista nem liberal. Nós nos ajustamos rapidamente e não teremos problemas com a nova ordem, a social-democracia -com suas peculiaridades, digamos assim, mas estamos no caminho.
O mundo se encaminha para economias com controle estatal muito mais sólido. Não teremos nem um mundo comunista nem um mundo capitalista exacerbado. Por algum tempo, tudo ficará um pouco homogêneo, pasteurizado, todos com o mesmo discurso. A divisão entre direita e esquerda, que já vinha perdendo nitidez, tende a desaparecer.
A humanidade vai ter de evoluir e encontrar novas soluções. Se você evolui na economia e na intervenção do Estado, não pode permitir que as burocracias mantenham esse poder louco sobre as pessoas e o controle sobre a vida dos indivíduos. O futuro é a social-democracia. E será melhor.
Torço por isso.


ROBERTO JEFFERSON, 55, advogado criminalista, é presidente nacional do PTB. Foi deputado federal (PTB-RJ).


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