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RUY CASTRO
Excesso de confiança
RIO DE JANEIRO - Uma grave
deficiência da vida real, só percebida há uns 30 anos, é que, nela, não
havia videoteipe. Ou replay, como
passamos a dizer. Qualquer coisa
que você fizesse, e pronto: não tinha
como voltar atrás para rever, revisar e, quem sabe, corrigir a postura,
caprichar no perfil, pentear direito
o cabelo ou dizer suas falas com
mais clareza.
Isso, agora, é o que não falta. Não
importa onde se esteja, na rua, na
arquibancada do Maracanã ou nas
catacumbas de um gabinete oficial
em Brasília, há sempre uma microcâmera camuflada, afixada num
poste, no teto ou numa lapela de paletó, captando vídeo e áudio do que
se está passando. Ninguém mais
poderá se queixar de não ter uma
nova chance para melhorar a performance ou retocar o rímel -é só
requisitar a fita, examinar-se e tomar providências.
Era o que o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, e
seus assessores e aliados deveriam
ter feito depois de gravar as imagens em que aparecem recebendo
maços de dinheiro vivo, metendo-o
em bolsos, meias e cuecas, e juntando-se numa corrente para "orar" e
agradecer a Deus pela sorte nos negócios. Ou talvez não imaginassem
que estavam sendo filmados.
Mas será possível que ainda haja
alguém tão inocente nesse quesito?
Qualquer cidadão honesto, hoje,
sente-se suspeito ao entrar num
elevador -não há prédio no Rio ou
em São Paulo, por mais furreca,
sem uma câmera que transmita a
sua imagem para o porteiro ou para
o encarregado da recepção. Todo
mundo se sabe vigiado.
Uma imagem vale mil palavras,
não? "Tudo bem", emenda Millôr
Fernandes, "mas tente dizer isso
sem palavras". As imagens do confiante Arruda e de seus cabrochas
podem "não falar por si", como quer
o presidente Lula, mas as falas que
as acompanham só faltam gritar.
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