São Paulo, sexta-feira, 04 de dezembro de 2009

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RUY CASTRO

Excesso de confiança

RIO DE JANEIRO - Uma grave deficiência da vida real, só percebida há uns 30 anos, é que, nela, não havia videoteipe. Ou replay, como passamos a dizer. Qualquer coisa que você fizesse, e pronto: não tinha como voltar atrás para rever, revisar e, quem sabe, corrigir a postura, caprichar no perfil, pentear direito o cabelo ou dizer suas falas com mais clareza.
Isso, agora, é o que não falta. Não importa onde se esteja, na rua, na arquibancada do Maracanã ou nas catacumbas de um gabinete oficial em Brasília, há sempre uma microcâmera camuflada, afixada num poste, no teto ou numa lapela de paletó, captando vídeo e áudio do que se está passando. Ninguém mais poderá se queixar de não ter uma nova chance para melhorar a performance ou retocar o rímel -é só requisitar a fita, examinar-se e tomar providências.
Era o que o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, e seus assessores e aliados deveriam ter feito depois de gravar as imagens em que aparecem recebendo maços de dinheiro vivo, metendo-o em bolsos, meias e cuecas, e juntando-se numa corrente para "orar" e agradecer a Deus pela sorte nos negócios. Ou talvez não imaginassem que estavam sendo filmados.
Mas será possível que ainda haja alguém tão inocente nesse quesito? Qualquer cidadão honesto, hoje, sente-se suspeito ao entrar num elevador -não há prédio no Rio ou em São Paulo, por mais furreca, sem uma câmera que transmita a sua imagem para o porteiro ou para o encarregado da recepção. Todo mundo se sabe vigiado.
Uma imagem vale mil palavras, não? "Tudo bem", emenda Millôr Fernandes, "mas tente dizer isso sem palavras". As imagens do confiante Arruda e de seus cabrochas podem "não falar por si", como quer o presidente Lula, mas as falas que as acompanham só faltam gritar.


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