São Paulo, quinta-feira, 05 de janeiro de 2006

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DEMÉTRIO MAGNOLI

Todos os homens do presidente

"Todo o episódio foi como uma facada nas minhas costas". Em entrevista ao programa "Fantástico", Lula definiu assim o escândalo do "mensalão", reiterando o tema do traidor oculto que alterna com o do complô das elites para compor a narrativa política vulgar oferecida há meses aos cidadãos. O presidente não nomeia os "traidores" nem identifica as "elites", pois está condenado ao jogo da prestidigitação. Ele precisa enganar o povo e, simultaneamente, pagar as prestações do silêncio dos operadores.
Delúbio Soares, o "homem de Lula", foi selecionado como ovelha de sacrifício. Na sua defesa, lida perante o Diretório Nacional do PT, Delúbio acusou os que o expulsavam de pretender começar "uma nova história" com base "numa mentira": a versão de que agiu à revelia da direção do partido. Suas conclusões, dirigidas a Lula, incluíram uma ameaça velada ("não traí") e uma garantia ("não sou um delator"). Como, nesse meio, toda garantia é condicional, a direção do partido continua a financiar uma famosa banca de advogados dedicada à defesa do militante expulso.
Valdemar Costa Neto, o presidente do PL, tornou-se um dos homens do presidente quando foi selada a aliança eleitoral pela qual José Alencar aceitou o cargo de vice na chapa de Lula. Na ocasião, não se discutiram idéias, apenas dinheiro. Costa Neto, o interlocutor da direção petista no negócio, acabaria flagrado como destinatário de volumosos recursos do "mensalão" e renunciou para fugir à cassação. Ele sabe demais e não é fiel a Lula. O custo de seu silêncio é amortizado por meio de nomeações de protegidos para o Dnit, o órgão do Ministério dos Transportes que controla as rodovias.
O publicitário Duda Mendonça, um homem do presidente desde a campanha eleitoral, confessou na CPI operar uma offshore em paraíso fiscal, que funcionou como destino de recursos intermediados por Marcos Valério. As transações contêm os indícios típicos de crimes de sonegação fiscal, evasão de divisas e, talvez, lavagem de dinheiro. Duda Mendonça perdeu a conta publicitária da Presidência, mas seu contrato milionário com a Petrobras foi renovado por mais um ano. O voto de silêncio não consta da letra do contrato, mas há coisas que não precisam ser escritas.
O governo Lula adotou a prática inédita de centralizar a supervisão de toda a publicidade oficial num único homem. Luiz Gushiken, o chefão da Secom, figura como a peça-chave dos contratos, com evidências clamorosas de superfaturamento, firmados pelo governo e pelas estatais com as agências de publicidade. Segundo o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, suas digitais estão impressas na transferência fraudulenta de dinheiro público para Marcos Valério. Gushiken perdeu a Secom, mas continua no Planalto, como assessor presidencial, e conserva sua influência sobre os diretores de bilionários fundos de pensão. Ele não falará.
A grande incógnita é José Dirceu, o ministro plenipotenciário que não agia "sem o conhecimento e o consentimento" do presidente. Ele aceitou como inevitáveis a perda da Casa Civil e até a do mandato. Mas Lula brinca com fogo desde que decidiu subtrair-lhe o controle sobre a máquina do PT, enviando uma cavalaria de ministros para tomar o partido de assalto.
O limite de José Dirceu é o desterro da política.


Demétrio Magnoli escreve às quintas-feiras nesta coluna.
@ - magnoli@ajato.com.br


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