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São Paulo, quarta-feira, 05 de fevereiro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O governo, a ONU e as "metas do milênio"

ROSEMARY BARBER-MADDEN

Cento e oitenta e nove Estados Membros das Nações Unidas, entre eles o Brasil, firmaram compromisso ambicioso em setembro de 2000. Todos se comprometeram a erradicar a pobreza extrema e a fome; alcançar o ensino primário universal; promover a igualdade entre os sexos e a autonomização das mulheres; reduzir a mortalidade de crianças; melhorar a saúde materna; combater o vírus da Aids, a malária e outras doenças; garantir a sustentabilidade ambiental e criar uma parceria mundial para o desenvolvimento. Tudo até o ano de 2015. Conhecidos como "metas do milênio", esses objetivos traduzem a preocupação global com as aviltantes desigualdades sociais existentes entre as nações e os indivíduos do planeta. Essas diferenças, além de provocarem indignação, põem em risco a estabilidade mundial. Seja porque compadece ou porque ameaça cada vez mais a ordem política, a injustiça social passou a ocupar espaço privilegiado na agenda dos líderes mundiais. Parece haver um consenso internacional sobre a necessidade urgente de corrigir as discrepâncias geradas nos diversos modelos econômicos adotados no mundo. Provas disso são o Fórum Social Mundial, de Porto Alegre, e o interesse despertado pela presença do presidente brasileiro no Fórum Econômico Mundial, na Suíça.
Diante da verificação de que as grandes questões do século 21 -heranças lamentáveis do século 20- são universais, a ONU configura-se como o foro legítimo para debatê-las e elucidá-las. É no território neutro das Nações Unidas que se pode estabelecer o diálogo multilateral e a busca permanente por soluções que beneficiem, se não a todos, ao menos à maioria dos países do mundo.
É por meio de debates e esforços conjuntos que se podem almejar o consenso mínimo, a conjunção de interesses e a solução pacífica para os conflitos. Idealismo à parte, é esse o único caminho possível para um desenvolvimento sustentável e cada vez mais justo.
Com atenção, interesse e simpatia, a ONU vê o novo governo brasileiro, recém-eleito de forma exemplarmente democrática, após uma campanha eleitoral legítima, na qual todos os candidatos se mostraram honrados tanto na vitória quanto na derrota. A ONU observa com especial deferência as propostas do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que demonstra inegável disposição para combater as profundas desigualdades sociais do Brasil.


Parece haver consenso sobre a necessidade de corrigir as discrepâncias causadas pelos diversos modelos econômicos


Uma análise concentrada do programa do governo Lula permite detectar vários pontos de convergência entre as propostas ali apresentadas e as "metas do milênio" defendidas pela ONU. A preocupação com o combate à pobreza e à fome, manifestada na primeira meta, coincide com o primeiro movimento da equipe do atual presidente brasileiro. A segunda meta, voltada à alfabetização de todas as crianças, assemelha-se igualmente com a proposta brasileira de erradicar o analfabetismo. O combate às desigualdades econômicas e sociais para a conquista da cidadania por parte de todos os brasileiros também coincide com a visão da ONU sobre equidade social, sexual e étnica. Uma leitura atenta de cada uma das metas não deixa dúvidas sobre as coincidências de prioridades. A agenda é comum.
É evidente, porém, que o estabelecimento de metas e prioridades não basta para solucionar os graves problemas enfrentados pelo Brasil. É imprescindível encontrar soluções criativas para operacionalizar os objetivos. Deve-se construir um pacto social que vá além da defesa intransigente de interesses individuais ou de pequenos grupos.
De acordo com a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, realizada em 1994, no Egito, questões populacionais como urbanização, habitação, migração, raça, gênero, envelhecimento da população, juventude, saúde, educação, trabalho, meio ambiente, fecundidade e mortalidade possuem inter-relações que contribuem de forma positiva ou negativa para o desenvolvimento sustentável de um país.
À luz dessas questões, o fortalecimento da capacidade técnica e institucional do governo, das organizações sociais e das instituições acadêmicas e o estímulo à colaboração institucional no sentido de contribuir, por meio de estudos e pesquisas para a formulação de políticas públicas em relação às questões populacionais, são parte integrante da ação que pode ser desenvolvida na parceria entre governo brasileiro e ONU.
Se houver vontade política, espaço para a criatividade e disposição a sacrifícios individuais em nome de um ideal social, não resta dúvidas de que o Brasil avançará no campo do desenvolvimento humano sustentável e alcançará, se não todas, ao menos as principais "metas do milênio". Até 2015, o Brasil tem 12 anos pela frente. Os próximos quatro poderão ser decisivos.

Rosemary Barber-Madden, 62, doutora em administração pública pela Universidade Temple (EUA) e professora-emérita da Universidade Columbia (EUA), é representante no Brasil do Fundo de População das Nações Unidas.


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