São Paulo, quinta-feira, 05 de fevereiro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Ministério Público e seu controle

HÉLIO BICUDO

A questão do controle externo do Ministério Público guarda, sem dúvida, os mesmos argumentos relativamente à fiscalização dos atos do Poder Judiciário, não obstante não seja o parquet um Poder do Estado. É ele imprescindível.
É preciso, entretanto, fazer uma reflexão desapaixonada do problema, pois é certo que manifestações a respeito noticiadas recentemente pela imprensa guardam uma certa indignação emocionada diante da publicidade, aliás, reiterada, de fatos e circunstâncias que poderiam apontar para uma atuação que, ao distanciar-se de normas legais e éticas, pode indicar referências político-partidárias incompatíveis com o exercício das atribuições do Ministério Público, como está na Constituição de 88.
Convém lembrar que o Ministério Público, que se vinha a pouco e pouco aperfeiçoando, deixando de ser o representante do rei para representar a sociedade, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (artigo 127 da Constituição da República), por força de uma interpretação unilateral dos textos que compõem nosso ordenamento jurídico, está permitindo que princípios consagrados na lei maior se transformem em armadilhas que fulminam direitos e garantias individuais, quando o seu reconhecimento e implementação se constituem no fundamento do Estado Democrático.


A imprensa não pode desvendar afirmativas que se submetem ainda ao crivo de investigações inconclusas


Não entraria aqui no exame da inviolabilidade do sigilo processual, fonte de abusos e de impunidade, que ainda é sustentado por uma legislação derrogada pelo artigo 93 da Constituição Federal, que impõe a publicidade de todos os julgamentos do Poder Judiciário. Ora, se os julgamentos devem ser públicos, por via de conseqüência, todo o procedimento o deve ser, sob pena de frustrar-se a finalidade da lei, que é a ampla transparência de todos os atos processuais, justamente para que as decisões não sejam arbitrárias e os direitos individuais sejam respeitados.
Não vejo, assim, que o "sigilo" possa impedir a publicidade.
O problema não é esse, senão o de que a imprensa não pode, sob pena de responsabilizar-se criminalmente, desvendar afirmativas que se submetem ainda ao crivo de investigações inconclusas, e os membros do parquet não deveriam, nas suas atividades guardadas pelos limites constitucionais, estar a fustigar a administração pública na busca de fantasmas, o que, muitas vezes, embaraça o bom andamento de obras e serviços que têm em vista o bem público a ser preservado e estimulado pelo próprio parquet.
A esse respeito, constituem-se num entrave ao poder corregedor do chefe do Ministério Público as condicionantes existentes para a devida contenção de atos pouco ortodoxos de jovens promotores, escudados na definição do que seja o promotor natural, que é aquele competente, segundo determinados requisitos, para mover ação penal pública.
Este modelo era recomendável quando ainda havia sujeição do chefe do Ministério Público ao Executivo. Hoje, com a autonomia de sua chefia, com mandato certo para o exercício de suas atribuições, o perigo de uma injunção de cima para baixo deixou de existir, e, destarte, dever-se-ia restaurar a chefia da instituição na sua inteireza, inclusive concedendo-lhe o poder correcional imediato a ser eventualmente reexaminado pelo seu órgão colegiado.
Com mecanismos mais ágeis, a instituição, que deve agir com absoluta unidade, poderia evitar muitos dos excessos noticiados pela imprensa e que não vão na direção do cumprimento das relevantes funções do Ministério Público, mas que servem tão somente, o que não é desejável para o seu crédito, para convalidar os conceitos acanhados e, por acanhados, inaceitáveis da pretensa "lei da mordaça" a tramitar no Congresso Nacional.

Hélio Bicudo, 81, advogado e jornalista, é vice-prefeito da cidade de São Paulo. Foi deputado federal pelo PT-SP (1990-94 e 1995-98) e presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA (Organização dos Estados Americanos).


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