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São Paulo, quarta-feira, 05 de março de 2003

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ANTONIO DELFIM NETTO

Câmbio e juros

A política de metas de inflação que adotamos em 1999, depois do Brasil ter sido salvo do "default" pelo empréstimo de US$ 45 bilhões coordenado pelo FMI, está agora sob grande pressão. Ainda no governo FHC, mudou-se a "meta" duas vezes, e, já no governo atual, estabeleceu-se uma "meta intermediária" de 8,5% para dezembro de 2003. Por efeito de uma tragédia aritmética implícita no cálculo da média móvel da taxa de inflação anual (saem do cálculo meses com menor inflação e entram meses com maior inflação), a nova meta parece ambiciosa, porque a taxa de inflação anual vai continuar subindo durante algum tempo mesmo com uma política monetária restritiva (elevação da taxa de juro real e aumento do compulsório).
Por exemplo: a inflação de janeiro a dezembro de 2002 foi de 12,53%. A inflação de janeiro de 2002 foi de 0,52%, e a de janeiro de 2003 foi de 2,25%. Logo, a inflação dos 12 meses de fevereiro de 2002 a janeiro de 2003, será de aproximadamente 14,26% (12,53 menos 0,52 mais 2,25). Enquanto as taxas de inflação dos meses de 2003 não forem menores do que as dos seus homólogos de 2002 a taxa anual vai continuar subindo. Isso pode levar meses, que mostrarão um afastamento cada vez maior da "meta intermediária", sonegando-lhe credibilidade, o que exigirá do Banco Central uma ação firme e convicta. Ele precisa forçar os agentes econômicos a coordenarem preços e remunerações em torno da meta e a acreditarem nos riscos que correrão (queda de vendas, de lucro e de emprego) se não reduzirem a taxa de inflação.
O sistema de metas inflacionárias tem problemas quando enfrenta sérios choques de oferta e quando a economia é relativamente fechada, o que exige grandes modificações da taxa de câmbio real para produzir mudanças no balanço em conta corrente. Esse tem sido o caso brasileiro desde 2001, quando se começou a reduzir o financiamento externo pelo aumento da "aversão ao risco". É da natureza do sistema de metas inflacionárias que se estabeleça uma relação linear entre a taxa de câmbio e a taxa de juros, como se vê claramente por um exemplo. Suponhamos que 40% do IPCA sejam fortemente influenciados pela taxa de câmbio diretamente e indiretamente pelo IGP-DI (o que inclui as tarifas de serviços públicos negociadas nas privatizações) e que 60% sejam constituídos por preços formados livremente no mercado interno. Suponhamos que a meta inflacionária seja 10% e que o câmbio se ajuste em 15%. Nesse caso, os preços livres só poderão crescer 6,7% para que a meta seja atingida.




Se a meta fosse de 8%, os preços livres só poderiam crescer 3,3%, o que mostra que ela deve ser cuidadosamente realista para ter credibilidade. O exemplo dramatiza a imensa pressão que precisa ser feita sobre os "preços livres" por meio da redução da demanda global, o que se faz pelo aumento da taxa de juro real. É por isso que, no regime de metas inflacionárias, quando o câmbio se desvaloriza (sobe), o Banco Central aumenta a taxa de juro. Não para "controlar" o câmbio, como se ouve algumas vezes, mas para reduzir a demanda dos bens livres. O câmbio é uma variável endógena que não pode, sem graves consequências, ser controlada.

Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br


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