São Paulo, sexta-feira, 05 de março de 2004

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SEM MEDO DA CPI

Diversos argumentos têm sido esgrimidos em apoio às movimentações do governo, até aqui bem sucedidas, para bloquear a criação de uma CPI que investigue o caso Waldomiro Diniz.
Alega-se que muitos dos proponentes não reúnem os requisitos morais para exigir apurações, uma vez que contribuições irregulares para campanhas e pedidos de propina são fatos corriqueiros na política nacional. Uma investigação parlamentar nessas circunstâncias estaria condenada a ser um ato farisaico, propenso, em ano eleitoral, a se tornar palco de explorações demagógicas. Acabaria por paralisar as votações no Congresso, abalar os mercados e ameaçar a governabilidade.
Ora, dar crédito a tais raciocínios equivaleria a rebaixar a exigência de fiscalização do poder, admitindo um regime mais opaco de administração da coisa pública. Não se trata aqui de um torneio moralista, no qual apenas impolutos, imaculados e virtuosos parlamentares estariam em condições de propor ou coordenar um inquérito. Estamos no terreno da política, no qual a disputa é parte de um jogo regulado por normas e instituições tanto quanto possível republicanas e transparentes, que asseguram deveres e direitos às diversas partes.
Não foi um representante da oposição, mas sim do governo, que se viu atingido pelas revelações. E não é a um governo qualquer, mas àquele cujo partido arvora-se em paladino da ética, que a CPI ofereceria a oportunidade de um esclarecimento público. É o que a maioria dos brasileiros, aliás, deseja -conforme mostrou recente pesquisa Datafolha.
Pode-se argüir que o trabalho policial seria suficiente. A questão é que, dadas as implicações políticas do episódio, a averiguação parlamentar adicionaria ao processo uma saudável dose de independência, afastando as naturais apreensões acerca de uma investigação do Executivo conduzida por um órgão a ele vinculado.
Quanto aos transtornos políticos e às eventuais repercussões negativas para a economia, são de fato indesejáveis, mas muitas vezes é preciso pagar um preço para assegurar a boa condução dos interesses públicos. A agenda da República, nesse caso, pode não ser a mesma dos mercados.


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