São Paulo, sexta-feira, 05 de março de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O desmatamento e o valor da Amazônia

VINOD THOMAS e SÉRGIO MARGULIS

As riquezas naturais do Brasil são legendárias. Entre elas as da Amazônia, que cobre cerca de 60% do território nacional, abriga 21 milhões de habitantes e responde pelo maior bioma de floresta tropical do mundo. Ao mesmo tempo, o desmatamento na Amazônia brasileira corresponde a 20% do total desmatado no planeta. Segundo estimativas preliminares, a taxa de desmatamento anual aumentou de uma média de 17.340 km2, nos anos 90, para 25.400 km2 em 2002 -uma área quatro vezes maior do que o Distrito Federal.
Essa alta taxa de desmatamento é exemplo da crescente ameaça aos ecossistemas. Mas é também um exemplo do dilema que se coloca ao desenvolvimento e ao combate à pobreza. Será que os ganhos privados decorrentes dos desmatamentos compensam os altos custos sociais e ambientais envolvidos? Ou existirão alternativas com maiores retornos sociais? Para responder a essas perguntas é preciso, inicialmente, identificar as principais causas dos desmatamentos da Amazônia brasileira.


Um estudo recente do Banco Mundial sugere que a causa principal dos desmatamentos é a expansão da pecuária


Um estudo recente do Banco Mundial sugere que, apesar de haver uma miríade de fatores subjacentes aos desmatamentos, sua causa principal é a expansão da pecuária. Ela ocupa 75% das áreas desmatadas, sendo os médios e grandes pecuaristas os maiores responsáveis pela ocupação. Do ponto de vista econômico, o processo decorre primordialmente da alta lucratividade privada na região quando comparada a outras atividades, não-pecuárias, ou quando comparada à pecuária em outras áreas do país. Em Alta Floresta (MT), por exemplo, a receita líquida estimada da criação de gado por hectare é de R$ 139 ao ano; em Paragominas (PA), de R$ 103. Já no município paulista de Tupã, tradicional produtor de gado, o mesmo ganho é de R$ 65. As taxas de retorno na região amazônica chegam a ser quatro vezes maiores que no centro-sul do país. Essas diferenças impulsionam o crescimento da pecuária e o desmatamento da Amazônia.
O cálculo dos lucros privados dos pecuaristas, porém, não incorpora os custos ambientais dos desmatamentos. Enquanto um pecuarista lucra, em média, US$ 75 por hectare a cada ano, os custos ambientais são estimados em US$ 100 -e possivelmente muito mais-, sugerindo que o país como um todo sai perdendo. Além disso, boa parte da pecuária se expande sobre terras do Estado, freqüentemente envolvendo grilagem e violência no campo.
O principal problema é, portanto, que a renda da pecuária é significativa, ainda que concentrada e implicando altos custos sociais e ambientais. Como estes últimos são difusos, envolvendo impactos nas populações locais e na comunidade global, não há mecanismos triviais de compensação. É como a poluição das indústrias e dos veículos, que afeta a todos: sem a presença do Estado, os custos sociais recaem sobre toda a sociedade, ainda que a indústria seja lucrativa e gere renda privada.
Logo, a segunda questão é como incentivar alternativas para o desenvolvimento mais sustentável e eqüitativo. Esse é o foco da atual estratégia brasileira para a região amazônica. Existem várias iniciativas que podem ser apoiadas com investimentos públicos e privados nos níveis federal, estadual e municipais. Eles devem ser pensados de forma a ajudar a superar uma série de outros problemas: a diversidade de agentes e de interesses; a imensidão da região e a limitada presença do Estado; a falta de consenso sobre estratégias de desenvolvimento; a falta de serviços sociais, infra-estrutura e transporte adequados; as ambigüidades quanto aos direitos de propriedade e os conflitos sobre o uso da terra.
Para a implementação de iniciativas mais sustentáveis, é preciso trabalhar com os pecuaristas, e não contra eles, reconhecendo a viabilidade econômica privada da pecuária. Isso requer a criação de mecanismos de transferência para compensar a substituição da pecuária por outras atividades sustentáveis e equitativas, como o manejo florestal e as iniciativas ecológicas de pequena escala. Estas podem ser incentivadas e competir com a pecuária, que poderia ser taxada quando causasse desmatamentos.
Também é importante controlar o livre acesso às áreas ainda desocupadas, ao mesmo tempo em que se promove o uso sustentável das áreas florestais. Isso demanda uma capacidade muito maior de fiscalização, maior controle sobre a posse da terra e a consolidação dos direitos de propriedade e do zoneamento. Em termos mais gerais, os investimentos para melhorar a qualidade de vida nas áreas urbanas e rurais da fronteira amazônica só podem ajudar uma trajetória mais sustentável de desenvolvimento e desencorajar invasões de áreas ainda desocupadas na Amazônia.
Ao interligar políticas ambientais e sociais, o Brasil pode proteger uma parte considerável da floresta amazônica remanescente e melhorar as condições de vida das populações locais. O uso sustentável das enormes riquezas naturais do país não só garante esses recursos para o futuro, como pode ser uma fonte de maior eqüidade e redução de pobreza.

Vinod Thomas, economista, é diretor para o Brasil e vice-presidente do Banco Mundial. Sérgio Margulis é economista ambiental do Banco Mundial.

www.bancomundial.org.br



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