São Paulo, segunda-feira, 05 de março de 2007

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Freio de arrumação ou ajuste estrutural?

ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA


Será que os mercados que habitualmente antecipam tendências estão prevendo que a fase da bonança está chegando ao fim?


É CONHECIDA a expressão "freada de arrumação". Ela ocorre quando, em um ônibus lotado, os passageiros em pé não abrem espaço para outros entrarem; o motorista pisa no freio antes da próxima parada para abrir espaço a novos entrantes.
Essa imagem me veio à mente por causa dos acontecimentos das Bolsas de Valores mundiais na última terça-feira, deflagrados por uma abrupta queda de 9% na Bolsa de Xangai.
Terá sido unicamente uma freada de arrumação, da qual os especuladores tiraram proveito (principalmente os "vendidos")? Estaríamos diante de um ajuste conjuntural ou essa forte queda prenunciaria uma antecipação de algo mais complexo, de natureza estrutural? É difícil responder.
Contrariamente ao que disseram nossas autoridades monetárias, não classificaria os movimentos do dia 27 de fevereiro como normais. Afinal de contas, a Bolsa chinesa há pouco tempo não estava alinhada entre aquelas que despertavam maior interesse entre os investidores globais e não deveria pautar o comportamento das Bolsas dos países desenvolvidos.
No seminário que realizamos em Pequim (agosto de 2006), chamamos a atenção para os aspectos regulatórios de um mercado emergente e para a importância da informação como instrumento fundamental para a decisão de negociar valores mobiliários.
Mais recentemente, quando regressei do Vietnã, no início de fevereiro (dia 2), ao comentar minhas primeiras impressões da viagem àquele país e ao Camboja, anotei as informações que, a seguir, me parece oportuno registrar.
"O Vietnã, no que toca ao mercado de capitais, passa por um movimento expansivo e de grande especulação em Bolsa. Os índices de mercado tiveram um crescimento espetacular, e as informações disponíveis mostram que há grande quantidade de investidores aplicando em ações sem uma base de conhecimento razoável e do risco que estão assumindo.
Para ter uma idéia, em dezembro, a relação preço/lucro das ações negociadas na HCM City Securities Center era de 38 vezes. Em outras Bolsas da região, estava entre dez e 17 vezes.
Já que falamos em China, em recente artigo do "Wall Street Journal", chamava a atenção de outra bolha especulativa que está se formando. Essa ainda mais preocupante. As próprias autoridades chinesas têm alertado investidores sobre os riscos envolvidos.
Assim, nesses dois mercados pouco sofisticados, onde os reguladores ainda têm poderes limitados e os investidores detêm altas taxas de poupança, os riscos, pelo que pudemos registrar, são elevados. Esperamos que essas preocupações sejam absorvidas pelos mercados que venham a passar por reajustes não traumáticos."
Sabidamente os mercados emergentes vinham passando por um longo período de alta, principalmente por causa de uma grande liquidez mundial que tornou a análise de riscos menos rigorosa. Alguns analistas vinham dizendo que não seria de estranhar que em algum momento algum ajuste pudesse acontecer. As análises mais positivas estavam centradas no comportamento da economia americana e na exuberância do desenvolvimento da China.
Será que os mercados que habitualmente antecipam tendências estão prevendo que a fase da bonança está chegando ao fim? Estamos realmente iniciando um novo ciclo de ajustes?
Não creio que hoje seja possível responder a essa questão com base em experiências do passado. O mundo globalizado, com ampla circulação de capitais, se não é uma nova realidade, vem acontecendo em uma escala nunca antes verificada. De qualquer forma, é bastante improvável que os índices de mercado voltem ao patamar anterior a 27/2.
Será interessante observar o comportamento dos novos investidores em ações que entraram no mercado e talvez não estejam preparados para oscilações tão bruscas.
É melhor ficar atento e acompanhar o comportamento dos mercados, não o dissociando do lado real da economia mundial. Nessa fase, creio que a volatilidade será a característica principal dos mercados.
No passado, numa das fases críticas da Bolsa americana, perguntaram ao legendário banqueiro J. Pierpont Morgan o que esperar do mercado.
Do alto de sua sabedoria, disse: "It's going to fluctuate". É isso aí!

ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA , economista, é sócio-fundador da Prospectiva Consultoria Brasileira de Assuntos Internacionais, fundador do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais) e membro do "board" do Interamerican Dialogue, de Washington. Foi presidente do Conselho de Empresários da América Latina (1998-2000).


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