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TENDÊNCIAS/DEBATES
Devem-se descriminalizar as drogas como meio de combater o crime organizado?
SIM
Proibição e legalização
WÁLTER MAIEROVITCH
Uma coisa é certa. Durante séculos, a questão da droga vem sendo
utilizada para esconder interesses econômicos e geopolíticos. Em 1757, os ingleses monopolizaram a comercialização do ópio. Introduziram entre os chineses o hábito da mistura deste ao tabaco, fato causador do tropismo e da dependência química. A China buscou a
proibição e isso resultou nas duas Guerras do Ópio (1839-1842 e 1856), que findaram com a vitória dos ingleses.
Exemplos recentes podem ser lembrados. Nos anos 40 e 50, a CIA apoiou o
Exército Nacionalista Chinês, o famoso
Kuomintang, na luta contra os maoístas. Incentivou o plantio e a venda do
ópio para a compra de armas. A CIA
empregou igual estratégia no Laos, nos
anos 60, para aniquilar a guerrilha de
Pathet Lao. O mesmo posicionamento
verificou-se no Afeganistão, nos anos 80
e em face da invasão russa. Pior mesmo
foi a cobertura dada para o tráfico de
crak nos guetos de Los Angeles, com
obtenção de recursos para a sustentação, na Nicarágua, dos Contras.
Nos anos 90, os discursos relativos à
proibição e à legalização chegaram à
ONU. Tudo para se estabelecer o chamado Direito Internacional sobre as
Drogas Proibidas. À americana, prevaleceu o proibicionismo, a repressão e a
criminalização do usuário. Na verdade,
prevaleceu a divisão entre países pobres
e ricos. Os ricos como vítimas dos pobres. Ou melhor, o elevado consumo
em razão do cultivo e produção feitos
nos países pobres.
Por outro lado, faliram os projetos da
ONU relativos à introdução de cultivos
agrícolas substitutivos. Os mercados internacionais, operados pelos países desenvolvidos, nunca garantiram a compra da nova safra nem a estabilidade dos
preços. Em outras palavras, os plantios
ilícitos continuaram como fonte única
de subsistência dos cultivadores.
Diante do insucesso das culturas
substitutivas, o presidente George W.
Bush resolveu colocar em prática a estratégia antidrogas do Partido Republicado, isto é, o Western Hemisphere
Drug Elimination Act. Essa estratégia
foi bem resumida pelo parlamentar republicano Bill McCollum: redução
drástica da oferta, em qualquer parte do
planeta onde ela se encontrar.
Na Colômbia, o presidente Bush liberou US$ 170 milhões para a Dainacorp
despejar, durante cinco anos, herbicidas na Colômbia. Assim, provocou impacto no ecossistema amazônico, com
poluição química, contaminação de
rios, destruição de florestas e do meio
ambiente. No Equador, o rio San Miguel, que passa pela Colômbia, foi atingido. A população ribeirinha, envenenada, teve de ser submetida a tratamento médico, além de suportar a perda de
plantios e animais domésticos.
Pelo que se sabe, a segunda etapa será
a disseminação do fungo Fusarium
oxysporum, empregado a título de experimentação no Uzbequistão.
Os europeus, com exceção dos países
bálticos, abandonaram a linha das convenções da ONU, que para ser mudada
necessita de unanimidade. Países como
Holanda, Inglaterra, Bélgica e Espanha
trilharam caminhos de tolerância e liberalizantes quanto às denominadas
"drogas sociais". O melhor caminho seguiu Portugal, que descriminalizou o
porte para uso próprio, mantendo a
proibição como infração administrativa (não-criminal). Todas as legislações
européias endureceram com relação ao
narcotráfico. Até agora, nenhum país
partiu para a total "liberação" do consumo e do tráfico, dado o elevado custo
para a sociedade. Como se verificou no
Canadá, o custo social da droga alcançou 4% do PIB. Em razão disso, perdeu
força o discurso do "victimless", ou seja, de o usuário ser vítima de si próprio
e poder, intimamente, dispor livremente do corpo e da saúde.
As posturas mais humanas, como a
descriminalização com proibição administrativa e programas informativos
e educativos, resgataram a auto-estima
do usuário e abriram espaços para práticas sociossanitárias de redução de danos e riscos. Com o rótulo de criminoso
pregado, até o tratamento, segundo especialistas, torna-se mais difícil.
Os norte-americanos, como reação às
tendências descriminalizantes, adotaram, para a América Latina e pela boca
dos seus aliados, a técnica de jogar a
culpa no usuário pelo quadro de escalada da criminalidade. Apelaram ao truísmo: sem demanda não haveria oferta.
Um truísmo que faz parte da campanha
para manter a criminalização.
No Brasil, a política do ex-presidente
FHC trilhou o canhestro e superado
modelo norte-americano. Por exemplo,
optou pela criminalização do porte para uso próprio e implantou uma forma
de solidariedade autoritária, com adoção do modelo norte-americano de Tribunais para Dependentes Químicos.
Pior ainda. Em 1998, quando da Assembléia Especial da ONU para tratar
da questão das drogas, o então sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva assinou
documento condenando a adesão do
Brasil à americanizada política da
ONU. Na semana passada, os ministros
da Educação, da Cultura e dos Direitos
Humanos assinaram um protocolo de
intenções com a Secretaria Nacional
Antidrogas da Presidência da República. Afora a prática inusitada de ministros com intenção de aplicar a política
do presidente, o tal protocolo busca a
implantação da política herdada de
FHC, a qual, infelizmente, parece ter
caído no agrado do presidente Lula.
Wálter Fanganiello Maierovitch, 55, juiz aposentado do Tribunal de Alçada Criminal de São
Paulo, é presidente do Instituto Brasileiro de
Ciências Criminais Giovanne Falcone. Foi secretário nacional Antidrogas da Presidência da República (1999-2000).
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