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São Paulo, sábado, 05 de abril de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Devem-se descriminalizar as drogas como meio de combater o crime organizado?

SIM

Proibição e legalização

WÁLTER MAIEROVITCH

Uma coisa é certa. Durante séculos, a questão da droga vem sendo utilizada para esconder interesses econômicos e geopolíticos. Em 1757, os ingleses monopolizaram a comercialização do ópio. Introduziram entre os chineses o hábito da mistura deste ao tabaco, fato causador do tropismo e da dependência química. A China buscou a proibição e isso resultou nas duas Guerras do Ópio (1839-1842 e 1856), que findaram com a vitória dos ingleses.
Exemplos recentes podem ser lembrados. Nos anos 40 e 50, a CIA apoiou o Exército Nacionalista Chinês, o famoso Kuomintang, na luta contra os maoístas. Incentivou o plantio e a venda do ópio para a compra de armas. A CIA empregou igual estratégia no Laos, nos anos 60, para aniquilar a guerrilha de Pathet Lao. O mesmo posicionamento verificou-se no Afeganistão, nos anos 80 e em face da invasão russa. Pior mesmo foi a cobertura dada para o tráfico de crak nos guetos de Los Angeles, com obtenção de recursos para a sustentação, na Nicarágua, dos Contras.
Nos anos 90, os discursos relativos à proibição e à legalização chegaram à ONU. Tudo para se estabelecer o chamado Direito Internacional sobre as Drogas Proibidas. À americana, prevaleceu o proibicionismo, a repressão e a criminalização do usuário. Na verdade, prevaleceu a divisão entre países pobres e ricos. Os ricos como vítimas dos pobres. Ou melhor, o elevado consumo em razão do cultivo e produção feitos nos países pobres.
Por outro lado, faliram os projetos da ONU relativos à introdução de cultivos agrícolas substitutivos. Os mercados internacionais, operados pelos países desenvolvidos, nunca garantiram a compra da nova safra nem a estabilidade dos preços. Em outras palavras, os plantios ilícitos continuaram como fonte única de subsistência dos cultivadores.
Diante do insucesso das culturas substitutivas, o presidente George W. Bush resolveu colocar em prática a estratégia antidrogas do Partido Republicado, isto é, o Western Hemisphere Drug Elimination Act. Essa estratégia foi bem resumida pelo parlamentar republicano Bill McCollum: redução drástica da oferta, em qualquer parte do planeta onde ela se encontrar.
Na Colômbia, o presidente Bush liberou US$ 170 milhões para a Dainacorp despejar, durante cinco anos, herbicidas na Colômbia. Assim, provocou impacto no ecossistema amazônico, com poluição química, contaminação de rios, destruição de florestas e do meio ambiente. No Equador, o rio San Miguel, que passa pela Colômbia, foi atingido. A população ribeirinha, envenenada, teve de ser submetida a tratamento médico, além de suportar a perda de plantios e animais domésticos.
Pelo que se sabe, a segunda etapa será a disseminação do fungo Fusarium oxysporum, empregado a título de experimentação no Uzbequistão.
Os europeus, com exceção dos países bálticos, abandonaram a linha das convenções da ONU, que para ser mudada necessita de unanimidade. Países como Holanda, Inglaterra, Bélgica e Espanha trilharam caminhos de tolerância e liberalizantes quanto às denominadas "drogas sociais". O melhor caminho seguiu Portugal, que descriminalizou o porte para uso próprio, mantendo a proibição como infração administrativa (não-criminal). Todas as legislações européias endureceram com relação ao narcotráfico. Até agora, nenhum país partiu para a total "liberação" do consumo e do tráfico, dado o elevado custo para a sociedade. Como se verificou no Canadá, o custo social da droga alcançou 4% do PIB. Em razão disso, perdeu força o discurso do "victimless", ou seja, de o usuário ser vítima de si próprio e poder, intimamente, dispor livremente do corpo e da saúde.
As posturas mais humanas, como a descriminalização com proibição administrativa e programas informativos e educativos, resgataram a auto-estima do usuário e abriram espaços para práticas sociossanitárias de redução de danos e riscos. Com o rótulo de criminoso pregado, até o tratamento, segundo especialistas, torna-se mais difícil.
Os norte-americanos, como reação às tendências descriminalizantes, adotaram, para a América Latina e pela boca dos seus aliados, a técnica de jogar a culpa no usuário pelo quadro de escalada da criminalidade. Apelaram ao truísmo: sem demanda não haveria oferta. Um truísmo que faz parte da campanha para manter a criminalização.
No Brasil, a política do ex-presidente FHC trilhou o canhestro e superado modelo norte-americano. Por exemplo, optou pela criminalização do porte para uso próprio e implantou uma forma de solidariedade autoritária, com adoção do modelo norte-americano de Tribunais para Dependentes Químicos.
Pior ainda. Em 1998, quando da Assembléia Especial da ONU para tratar da questão das drogas, o então sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva assinou documento condenando a adesão do Brasil à americanizada política da ONU. Na semana passada, os ministros da Educação, da Cultura e dos Direitos Humanos assinaram um protocolo de intenções com a Secretaria Nacional Antidrogas da Presidência da República. Afora a prática inusitada de ministros com intenção de aplicar a política do presidente, o tal protocolo busca a implantação da política herdada de FHC, a qual, infelizmente, parece ter caído no agrado do presidente Lula.


Wálter Fanganiello Maierovitch, 55, juiz aposentado do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, é presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais Giovanne Falcone. Foi secretário nacional Antidrogas da Presidência da República (1999-2000).


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