UOL




São Paulo, sábado, 05 de abril de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Devem-se descriminalizar as drogas como meio de combater o crime organizado?

NÃO

Há muito o que discutir

ARTHUR GUERRA DE ANDRADE

O uso de drogas é um grave problema de saúde pública no mundo todo, tanto nos países desenvolvidos como nos em desenvolvimento. Para todos os países o problema é crescente, preocupante e, apesar dos contínuos esforços, de diferentes formas, nenhum país apresenta resultados animadores na diminuição da utilização e do consumo de drogas, seja nas ações de repressão, prevenção ou tratamento.
Esse é o principal motivo pelo qual atualmente nenhum país tem uma política nacional sobre drogas que contemple a legalização das mesmas. Nesta matéria, é importante a conceitualização do que é legalização e do que é descriminalização ou despenalização.
Basicamente, por legalizar o uso de drogas ilícitas, entende-se postura da sociedade semelhante à referente ao atual consumo de bebidas alcoólicas.
Por outro lado, quase todos os países discutem cada vez mais intensamente o que é descriminalização ou despenalização do uso de drogas: o fato de a pessoa ser flagrada de posse de drogas ilícitas, até certa quantia considerada de uso pessoal, não é avaliado como comportamento criminal, portanto, o indivíduo não pode ser preso por esse motivo.
O Brasil discute esse problema desde 1996, quando foi apresentado o projeto de lei nš 105/96, que foi transformado na lei nš 10.409, de 11/01/02, que substituía a pena de prisão por medidas alternativas, como prestação de serviços à comunidade e pagamento de multa.
O que acontece nos outros países? Vamos utilizar os exemplos de três deles, citados com frequência como "modelos" de enfrentamento do problema: Portugal, Holanda e Suíça. Lá, o uso de drogas não é legalizado, apesar de repetidas veiculações na mídia informando o contrário. As pessoas não estão autorizadas a produzir, a vender, a utilizar drogas ilícitas. Em Amsterdã, por exemplo, é tolerável o uso de maconha em alguns cafés, sendo que nesses locais a quantia para consumo individual diminuiu de 30 g no passado para atuais 5 g.
Convêm lembrar que esse consumo é realizado quase que exclusivamente por turistas e que o uso de maconha nas ruas, nos parques e em lugares públicos não é permitido. Obviamente, nem sequer é discutido o uso público de outras drogas ilícitas, tais como cocaína, anfetaminas e heroína.
Nesses países -e isso serve de exemplo para nós-, as condições foram favoráveis para a ampla discussão, pela sociedade, da despenalização de drogas, por exemplo, com a oferta de bons serviços de atendimento a pacientes, para todas as classes sociais, além de campanhas de esclarecimento e prevenção em larga escala. É notório que as condições do nosso sistema de saúde, tanto no nível público quanto no privado, são muito limitadas e limitantes.
Além disso, o governo, principal formulador de políticas públicas, sugere o modelo de redução de danos como o ideal para enfrentar o problema das drogas. Ainda que reconhecendo os méritos dessa política de redução de danos no que é chamado de prevenção terciária (evitar a cronicidade de casos diagnosticados), sua efetividade é muito discutida para modelos de prevenção primária e secundária (diagnóstico precoce).
Mas para onde se dirigem as políticas públicas na área de drogas, atualmente?
Cada vez mais discute-se o consumo de bebidas alcoólicas e de tabaco, respeitando-se as liberdades individuais e os enormes interesses financeiros -o exemplo de hoje é a propaganda de tabaco no Grande Prêmio Brasil de Fórmula 1: apesar de ter sido banida, por lei, propaganda de tabaco em eventos esportivos e apesar das contínuas ameaças da Anvisa de aplicar multas diárias aos organizadores do GP, a propaganda no evento foi liberada, voltando atrás o governo na sua posição inicial).
Então, o movimento das drogas lícitas estará seguindo o atual movimento das drogas ilícitas, resumindo-se em maiores controles.
Por esses motivos, creio que é muito importante a imediata discussão da descriminalização de drogas em diversos fóruns (escolas, empresas, ONGs, famílias). Penso que, no Brasil, é necessário discussão, planejamento, ações efetivas na prevenção, no tratamento e na repressão do uso de drogas. E, atualmente, não é a legalização o caminho a ser tomado. O discurso, ainda que atraente e sedutor, é perigoso e estéril.


Arthur Guerra de Andrade, 48, professor titular de Psiquiatria da Faculdade de Medicina do ABC, é presidente do Conselho Técnico-Administrativo do Grea (Grupo de Estudos de álcool e Drogas), do Instituto de Psiquiatria da FMUSP).

aandrade@usp.br



Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Devem-se descriminalizar as drogas como meio de combater o crime organizado?

Sim - Wálter Maierovitch: Proibição e legalização

Próximo Texto: Painel do leitor
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.