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TENDÊNCIAS/DEBATES
Devem-se descriminalizar as drogas como meio de combater o crime organizado?
NÃO
Há muito o que discutir
ARTHUR GUERRA DE ANDRADE
O uso de drogas é um grave problema de saúde pública no mundo todo, tanto nos países desenvolvidos como nos em desenvolvimento. Para todos os países o problema é crescente,
preocupante e, apesar dos contínuos esforços, de diferentes formas, nenhum
país apresenta resultados animadores
na diminuição da utilização e do consumo de drogas, seja nas ações de repressão, prevenção ou tratamento.
Esse é o principal motivo pelo qual
atualmente nenhum país tem uma política nacional sobre drogas que contemple a legalização das mesmas. Nesta matéria, é importante a conceitualização
do que é legalização e do que é descriminalização ou despenalização.
Basicamente, por legalizar o uso de
drogas ilícitas, entende-se postura da
sociedade semelhante à referente ao
atual consumo de bebidas alcoólicas.
Por outro lado, quase todos os países
discutem cada vez mais intensamente o
que é descriminalização ou despenalização do uso de drogas: o fato de a pessoa ser flagrada de posse de drogas ilícitas, até certa quantia considerada de uso
pessoal, não é avaliado como comportamento criminal, portanto, o indivíduo
não pode ser preso por esse motivo.
O Brasil discute esse problema desde
1996, quando foi apresentado o projeto
de lei nš 105/96, que foi transformado na
lei nš 10.409, de 11/01/02, que substituía
a pena de prisão por medidas alternativas, como prestação de serviços à comunidade e pagamento de multa.
O que acontece nos outros países? Vamos utilizar os exemplos de três deles,
citados com frequência como "modelos" de enfrentamento do problema:
Portugal, Holanda e Suíça. Lá, o uso de
drogas não é legalizado, apesar de repetidas veiculações na mídia informando
o contrário. As pessoas não estão autorizadas a produzir, a vender, a utilizar
drogas ilícitas. Em Amsterdã, por exemplo, é tolerável o uso de maconha em alguns cafés, sendo que nesses locais a
quantia para consumo individual diminuiu de 30 g no passado para atuais 5 g.
Convêm lembrar que esse consumo é
realizado quase que exclusivamente por
turistas e que o uso de maconha nas
ruas, nos parques e em lugares públicos
não é permitido. Obviamente, nem sequer é discutido o uso público de outras
drogas ilícitas, tais como cocaína, anfetaminas e heroína.
Nesses países -e isso serve de exemplo para nós-, as condições foram favoráveis para a ampla discussão, pela
sociedade, da despenalização de drogas,
por exemplo, com a oferta de bons serviços de atendimento a pacientes, para
todas as classes sociais, além de campanhas de esclarecimento e prevenção em
larga escala. É notório que as condições
do nosso sistema de saúde, tanto no nível público quanto no privado, são muito limitadas e limitantes.
Além disso, o governo, principal formulador de políticas públicas, sugere o
modelo de redução de danos como o
ideal para enfrentar o problema das
drogas. Ainda que reconhecendo os
méritos dessa política de redução de danos no que é chamado de prevenção
terciária (evitar a cronicidade de casos
diagnosticados), sua efetividade é muito discutida para modelos de prevenção
primária e secundária (diagnóstico precoce).
Mas para onde se dirigem as políticas
públicas na área de drogas, atualmente?
Cada vez mais discute-se o consumo
de bebidas alcoólicas e de tabaco, respeitando-se as liberdades individuais e
os enormes interesses financeiros -o
exemplo de hoje é a propaganda de tabaco no Grande Prêmio Brasil de Fórmula 1: apesar de ter sido banida, por lei,
propaganda de tabaco em eventos esportivos e apesar das contínuas ameaças da Anvisa de aplicar multas diárias
aos organizadores do GP, a propaganda
no evento foi liberada, voltando atrás o
governo na sua posição inicial).
Então, o movimento das drogas lícitas
estará seguindo o atual movimento das
drogas ilícitas, resumindo-se em maiores controles.
Por esses motivos, creio que é muito
importante a imediata discussão da descriminalização de drogas em diversos
fóruns (escolas, empresas, ONGs, famílias). Penso que, no Brasil, é necessário
discussão, planejamento, ações efetivas
na prevenção, no tratamento e na repressão do uso de drogas. E, atualmente, não é a legalização o caminho a ser
tomado. O discurso, ainda que atraente
e sedutor, é perigoso e estéril.
Arthur Guerra de Andrade, 48, professor titular
de Psiquiatria da Faculdade de Medicina do ABC,
é presidente do Conselho Técnico-Administrativo
do Grea (Grupo de Estudos de álcool e Drogas),
do Instituto de Psiquiatria da FMUSP).
aandrade@usp.br
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