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Porteira aberta
Um ano após a CPI dos Correios, partidos lutam para monopolizar cargos e verbas de ministérios, sinal de que nada mudou
NO DIA em que se completa um ano de conclusão da CPI dos
Correios, há algo mais
no ar de Brasília que os poucos
aviões de carreira decolando e
pousando pontualmente. Debate-se abertamente, na capital, se
a palavra empenhada pelo presidente da República vale alguma
coisa além das metáforas baratas
em seus pronunciamentos.
Não é apenas seu papel bisonho no tumulto aeroviário que
suscita desconfiança. Brasília
permanece Brasília, e ali importam os cargos. Mesmo que o céu
caia sobre suas cabeças, os profissionais da política sempre encontrarão oportunidade para debater pontos sensíveis dos acordos planaltinos, como "porteiras
fechadas" nos ministérios.
Só o cinismo permite enxergar
algum aspecto eufemístico em
tal figura de linguagem. A alusão
a meros negócios se escancara
para qualquer um que conheça a
expressão de origem rural: adquirir uma fazenda de "porteira
fechada" implica tomar posse de
tudo dentro dela. É de rapacidade mesmo que se trata.
Líderes partidários não se pejam de reclamar que Lula teria
descumprido trato anterior ao
dizer que, "em um governo de
coalizão, é saudável que existam
pessoas de outros partidos em
outros ministérios". PP, PMDB,
PTB e PR se levantam pelo direito de "despetizar" as pastas duramente conquistadas a golpes de
adesismo. Defendem à luz do dia
e dos refletores de TV todas as
práticas anti-republicanas que
deram origem à investigação do
mensalão: troca de apoio político
por cargos e oportunidades de
negócios escusos, na melhor das
hipóteses geradores de recursos
para campanhas eleitorais.
Não é de estranhar, assim, que
no aniversário da CPI dos Correios nenhuma das 14 instituições oficialmente notificadas pelo Congresso dos resultados da
investigação tenha se dado ao
trabalho de encaminhar-lhe alguma resposta. Ou, então, que
nenhum dos 40 denunciados pela Procuradoria Geral ao Supremo Tribunal Federal (STF) tenha alcançado a condição de réu.
Tudo de acordo com a convicção
disseminada de que a lisura no
trato da coisa pública não conta
com a menor prioridade nas
mais altas instituições do país.
Isso apesar da lei 10.001, que
estipula prazo de 30 dias para
que autoridades informadas pelas presidências das duas Casas
do Congresso se pronunciem sobre as conclusões de CPIs. A Casa Civil da Presidência, por
exemplo, buscou safar-se da
obrigação alegando, à reportagem desta Folha, suposto erro
formal: além do relatório final da
comissão, teria faltado o Congresso remeter a resolução de
aprovação do documento.
Pior figura faz o STF. A denúncia de 40 pessoas -Dirceu, Delúbio, Valério & cia.- pelo procurador-geral sob a acusação de integrarem "organização criminosa" depende de decisão da corte
para se tornar ação penal. O relator Joaquim Barbosa, porém, já
declarou que necessita de ao menos dois anos para apreciá-la.
Assim caminha Brasília -para
lugar nenhum, e ainda acredita
que o país a segue.
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