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São Paulo, segunda-feira, 05 de maio de 2003

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Coppe e tecnologia: sucessos e desafios

CLAUDIO HABERT


Acelerou-se no mundo o processo da inovação e, por conseguinte, da exclusão tecnológica

Em palestra recente, que marcou o início das comemorações dos 40 anos de fundação do Programa de Engenharia Química, o núcleo ao redor do qual nasceria e se expandiria a Coppe (Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia), recordava o prof. Waldemir Pirro e Longo que a tecnologia de base científica é absolutamente excludente: ela concentra inexoravelmente o poder nos níveis pessoal, institucional e nacional. Mas, observava ele também, o desenvolvimento tecnológico pode criar vantagens comparativas que superam as tradicionais que existem entre as nações.
Identificamos na concepção e evolução da idéia da Coppe um movimento amplo que visa escapar da exclusão e chegar a uma posição mais favorável para o Brasil, desde que condições políticas sejam criadas e mantidas para tal.
A industrialização brasileira já demandava profissionais de engenharia com alta competência científica para a política desenvolvimentista, como no caso da expansão das refinarias e na nascente petroquímica. Em março de 1963, numa iniciativa pioneira, o prof. Alberto Coimbra provocava na universidade brasileira nova etapa de modernização, implantando o curso de mestrado em engenharia química, na então Universidade do Brasil (hoje UFRJ).
A exigência do tempo integral e dedicação exclusiva a docentes, mais bem remunerados, e uma estrutura acadêmica ágil e moderna constituíram os alicerces de uma instituição que viria a se transformar rapidamente no maior centro de pós-graduação em engenharia do hemisfério Sul. Além de profundos impactos no desenvolvimento de novos cursos no país, incorporou uma necessária transformação cultural na pesquisa tecnológica: a ênfase nas ciências da engenharia, superando as limitações de um empirismo histórico.
A Coppe conta hoje com cerca de 300 docentes doutores e 2.500 alunos pesquisadores em 12 áreas de engenharia. Contabiliza este ano quase 8.000 mestres e doutores formados, ocupando os mais diversificados postos de responsabilidade em empresas, universidades e na administração pública. O espaço deste artigo não permite enumerar seus êxitos mais importantes, diversificados entre projetos estratégicos (como os de exploração marinha em parceria com a Petrobras), incubadora de empresas e laboratórios de referência. O presidente da República acaba de inaugurar, no Parque Tecnológico da UFRJ, um tanque oceânico com gerador de ondas que tem só outros dois similares no mundo.
Mas a evolução da instituição pode ser ilustrada a partir de um retrato atual de seu curso de origem. O PEQ já graduou quase 750 mestres e doutores . A consolidação de seus grupos de pesquisa se traduz no reconhecimento nacional e internacional de sua excelência acadêmica, mantendo conceito máximo nas avaliações periódicas feitas pela Capes/ MEC. Vários de seus docentes já conquistaram prêmios nacionais e internacionais. As contribuições ao desenvolvimento de tecnologia no país ocorrem, além das teses, por meio dos convênios de pesquisa com empresas que atuam nas áreas química, petroquímica, de energia, agroalimentar, bem como no controle da poluição ambiental.
Passadas quatro décadas, pode-se dizer que a Coppe está cumprindo com eficiência sua missão. No entanto, mesmo com os progressos citados, há evidentes indicadores que mostram que o país, com os recursos humanos e naturais que tem à sua disposição, não atingiu ainda o desenvolvimento tecnológico necessário. As causas passam pelo sistema político-econômico vigente, por razões culturais e fatores externos.
Por um lado, acelerou-se no mundo o processo da inovação e, por conseguinte, da exclusão tecnológica, tanto em áreas tradicionais quanto em estratégicas. Por outro, internamente, os incentivos a uma carreira de ensino e pesquisa em instituições públicas tornaram-se reduzidos, para manter pesquisadores experientes e atrair novos talentos, incluindo as bolsas, de valor cada vez mais defasado. E há um contingente de cientistas e engenheiros altamente qualificados (muitos deslocados em tempos recentes de sua função profissional original) que aguardam sua grande chance de participar criativamente de um processo de desenvolvimento nacional.
Torna-se urgente restabelecer e aprimorar de fato as condições para a consecução plena dos objetivos com os quais a Coppe e outras instituições foram criadas, visando um desenvolvimento tecnológico nacional, que colabore na solução dos prementes problemas do país, gerando também riqueza e emprego. O domínio do conhecimento tecnológico é apenas parte de uma complicada equação. Se o país não o transformar em inovação, e não formular e executar projetos adequados, estará perdendo oportunidades inestimáveis. Maior que a frustarão de expectativas será o desperdício dos investimentos públicos já feitos.
Alguns dos mais sérios desafios que temos pela frente podem ser agregados em: clara definição de um projeto nacional e de uma política industrial coerente; valorização e mobilização dos recursos humanos de alta capacitação científico-tecnológica; ampliação quantitativa e qualitativa da base científico-tecnológica (com ações direcionadas do ensino primário à pós-graduação), principalmente através das instituições publicas; programas e recursos para ampliar a cooperação empresa-universidade, visando inovação tecnológica e geração de "nichos" competitivos (produtos e serviços); integração e racionalização das ações em todos os níveis decisórios, com ágil gerenciamento.
Os 40 anos da Coppe não apenas remetem à comemoração do feito. Num país "novo" como o nosso, onde o efêmero é quase regra e a memória coletiva é curta, saudar cada década de funcionamento (resistência) de uma instituição pública com reconhecidas contribuições à nação é uma obrigação histórica, moral e estratégica: além do exemplo para as novas gerações, reafirma-se aos políticos e aos administradores a renovação do compromisso de preservar o patrimônio acumulado e de pensar o seu futuro em sintonia com as demandas da sociedade brasileira.


Alberto Claudio Habert, 56, é professor titular de engenharia química da Coppe-UFRJ.


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