São Paulo, terça, 5 de maio de 1998

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DA ASSEPSIA À INFECÇÃO

O presidente Fernando Henrique Cardoso sentiu-se obrigado, no domingo, a admitir que falta "assepsia" no relacionamento entre o governo federal e o Congresso. "A população se impacienta, com razão, pela necessidade de negociações nem sempre nos moldes que se gostaria que elas procedessem", disse FHC.
De fato, há um sentimento mais ou menos generalizado de que a negociação política, hoje como em governos anteriores, invade o terreno rasteiro da fisiologia, quando não da negociata pura e simples.
Tem que ser assim? A resposta não é simples. Governos, como o de FHC, que carecem de uma maioria estável, pelo menos para aprovar as reformas constitucionais, são de fato obrigados a negociar.
O problema está nos limites da negociação. Para usar a imagem empregada pelo próprio presidente, se houver descuido com a assepsia se corre o risco de provocar uma infecção generalizada no corpo político.
Parece evidente que, em casos como o da emenda que introduziu o direito à reeleição, o governo não respeitou a assepsia mínima. A compra de votos, atitude que reportagem da Folha evidenciou, não é uma negociação tolerável. Se, em outros casos, é difícil estabelecer o teto além do qual a negociação ultrapassa os limites assépticos, cabe, de todo modo, observar que ao Poder Executivo compete sempre dar o exemplo.
O candidato Fernando Henrique Cardoso foi enfático ao decretar o fim do fisiologismo. O presidente não pode repetir a ênfase, tanto que se vê agora obrigado a admitir uma certa falta de "assepsia".
Espera-se que a admissão não embuta o conformismo com operações políticas pouco limpas. Afinal, uma das principais reformas que a sociedade brasileira aguarda é a dos usos e dos costumes políticos, que, no mundo inteiro, não têm exatamente a assepsia perfeita dos melhores hospitais. De qualquer modo, no entanto, é preciso tomar cuidado com a possibilidade de infecções.



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